FOLHA DE SP - 04/02
Se alguém planejasse, não armaria tantas trapalhadas para que tantas coisas dessem errado em tão pouco tempo
A eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi apenas um detalhe na trajetória de um governo que parece ter feito uma opção preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relógio.
A doutora Dilma ainda estava de férias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levou-o a um recuo público desnecessário, apenas humilhante, por causa de um comentário genérico sobre o salário mínimo. Pouco depois, veio outra bala perdida, desta vez na direção do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter dito que os critérios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa já anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a bandeira de uma "Pátria Educadora" e cortou verbas do Ministério da Educação. Deu-se um apagão no sistema elétrico, e o ministro de Minas e Energia prontamente informou que foi um acidente. A área técnica do governo desmentiu-o no ato.
Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. "Pátria Educadora" é conversa fiada. O Planalto não precisa atirar nos seus próprios ministros. O doutor das Minas e Energia não precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha tinha uma "ascendência irreversível" na Casa, a doutora deveria ter percebido que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. Quem seria preferível para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de dar conteúdo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulação política do Planalto e do PT tornavam a derrota inevitável, o ronco de poder emitido pelo comissariado nas últimas semanas foi apenas uma opção preferencial pela trapalhada. Um miado de leão, rugido de gato.
Essas foram iniciativas equivalentes à do sujeito que resolve atravessar a rua para escorregar na casca de banana da outra calçada. Verdadeira mágica, porque do outro lado da rua havia só a banana de Cunha. Na calçada em que anda o Planalto há cachos. O ano de 2014 fechou com o maior deficit das últimas décadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve seu crédito rebaixado e suas ações valem menos que dois cocos em Ipanema. Isso e mais a certeza de que a Operação Lava Jato vai desentranhar as contas do PT. (A regulamentação da Lei Anticorrupção está engavetada há um ano.)
O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicação, egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo são espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionárias de energia que pretendia espetar na Viúva uma conta de R$ 2,5 bilhões. Mandou passear também os clubes de futebol com suas dívidas de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Muito justamente reduziu o crédito estudantil para jovens com desempenho pouco acima do medíocre no Enem. Contrariou os barões das escolas privadas, mas conteve a privatização de seus recursos. Essa batalha ainda não terminou, como ainda não entrou em cena a das operadoras de saúde, começada nos dias das festas de fim de ano.
Resta à doutora Dilma um consolo. Na oposição, a única novidade é que Aécio Neves deixou a barba crescer.
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