O ESTADÃO - 13/11
O Brasil é o lugar onde ideias políticas ultrapassadas permanecem e ressurgem como novas. Para ficar em dois exemplos: causa surpresa aos franceses como o positivismo perdurou aqui por tanto tempo e aos alemães como ainda se acredita no comunismo. Entre economistas, há controvérsias vindas dos anos 50 e 60 que ainda estão em pauta. Sua origem vem do embate entre as formulações nacionalistas e industrialistas, de um lado, e as liberais e monetaristas, de outro. As primeiras vêm de um misto de teses ideológicas do velho partidão, do getulismo e do seu PTB, levadas posteriormente ao paroxismo no governo Geisel. As segundas, da visão liberal da UDN e vigentes no governo Castelo.
Selecionei quatro controvérsias que, a meu ver, ficaram obsoletas ante os impactos da globalização, do desenvolvimento do comércio mundial e da conectividade decorrente dos avanços nas tecnologias de informação. A primeira é a da expansão e consolidação do mercado interno, em oposição ao aumento do esforço de exportar. Trata-se da oposição, em voga nos anos 60, entre o desenvolvimento para dentro e para fora. Ou seja, o País se industrializaria para dentro ou seguiria um modelo exportador tipo asiático? Hoje se constata que o desenvolvimento moderno ocorre nas duas direções, uma fortalecendo a outra, na medida em que são alcançados novos patamares de produtividade e competitividade.
A segunda controvérsia diz respeito ao dilema entre o aprofundamento do desenvolvimento industrial em oposição à expansão da agricultura. O Brasil estaria fadado a ser uma potência industrial ou agrícola? Esse era o tema do famoso debate entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, por volta de 1950, e que permaneceu por muito tempo. Hoje percebemos que pode haver uma profícua coexistência entre os dois caminhos, inclusive em razão do grande desenvolvimento tecnológico do moderno agronegócio. Não foi este, voltado mais para fora, que prejudicou a indústria. Muito ao contrário, ele deu suporte para ampliar a produção de máquinas e equipamentos.
A terceira controvérsia que perdura é a da oposição entre a maior presença estatal e a maior liberdade de mercado. Com as privatizações de empresas estatais e as concessões de serviços públicos, ficou claro que segmentos antes de atuação predominante do Estado (infraestruturas e insumos básicos) poderiam ser operados por empresas privadas. Por outro lado, os papéis que hoje o Estado teria a cumprir, como indutor do desenvolvimento, são bem diferentes dos que tinha nos anos 50 e 60, exacerbados no regime militar, quando o nacional-desenvolvimentismo atingiu seu apogeu.
Assim, é importante haver profunda reformulação do papel do Estado e mudanças nas formas de governança dos recursos públicos, em especial daqueles destinados à pesquisa & desenvolvimento. Hoje é crucial que se instrumentalizem novas formas de financiamento e se tenha maior seletividade das ações do governo, para estimular pesquisas e parcerias que visem a gerar e a absorver inovações tecnológicas.
Por fim, a quarta - talvez a mais persistente - é aquela que contrapõe os desenvolvimentistas aos que defendem a estabilidade monetária, estes pejorativamente chamados de neoliberais. Hoje não é mais possível sustentar o crescimento com fortes investimentos estatais e financiá-lo por meio de: endividamento externo e interno; maciças transferências de renda para o Estado, por meio da inflação; e elevada carga tributária. Esse tipo de financiamento seria inviável, o que obriga a busca de outros papéis e formas de atuação para o Estado no fomento e financiamento do desenvolvimento. Ou seja, o contexto histórico de hoje não admite mais crescimento com inflação e descontrole dos gastos públicos. Prova disso é que a recente condução frouxa da política monetária não estimulou o crescimento, muito ao contrário. Controvérsias muitas vezes permanecem só para criar mais controvérsia. É hora de abandoná-las e cuidar melhor da consistência da política econômica.
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