O GLOBO - 21/12
Guinada diplomática aposenta recurso de culpar ‘ império’ por todos os males do país e põe em evidência os erros do chavismo na administração autoritária do país
No último dia 15, milhares de pessoas, convocadas pelo presidente Nicolás Maduro marcharam em Caracas para protestar contra o “imperialismo americano”, diante da ameaça de sanções econômicas dos EUA. Dois dias depois, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e de Cuba, Raúl Castro, anunciaram o início da normalização das relações entre os dois países, após mais de 50 anos de hostilidades. Maduro elogiou o “ato valente” de Obama. No dia seguinte, a Casa Branca confirmou as sanções aprovadas pelo Congresso contra a Venezuela por atos de violência e por infringir os direitos humanos durante os protestos do início do ano contra Maduro, em Caracas.
A aproximação entre Cuba e os EUA é um soco no estômago das correntes políticas sul-americanas que se alimentam do antiamericanismo, do superado conflito Norte-Sul e do viés terceiro-mundista, algo cultivado pelos bolivarianos, pelo kirchnerismo e por influentes setores lulopetistas do governo brasileiro. De todos, quem mais perde é a Venezuela, que tem em Cuba sua inspiração ideológica.
A vida não anda fácil para Maduro, a quem coube substituir Hugo Chávez, o caudilho que se garantia no carisma e na oratória. Mas está muito mais difícil para os venezuelanos, que enfrentam inflação de 70% (previsão de 100% em 2015), amplo desabastecimento de produtos básicos (85% das vezes em que vão ao supermercado não encontram o que procuram, segundo a Fedecâmaras) e um Natal soturno, com os produtos importados para a tradicional ceia em falta ou custando caríssimo. Some-se a tudo isso a criminalidade galopante que se alastra na sociedade venezuelana.
Há muito as coisas estão ruins para o empresariado privado. Cinquenta e dois por cento da indústria instalada no país estão ociosos devido à crise e ao descontrole econômico. Muitas empresas não conseguem comprar matérias-primas devido aos limites impostos pelo governo ao acesso a escassas divisas. Isto ajudou uma das faces obscuras da ditadura chavista: restrições à liberdade de expressão e de imprensa, fartamente implementadas durante os 14 anos de Chávez e no governo Maduro. Muitos jornais fecharam no país por não obter divisas para a importação de papel de imprensa. O problema atinge mais, é claro, os veículos críticos ao governo.
A situação, com a aproximação cubano-americana, se tornou crítica para Maduro, pois aposenta o fantasma do inimigo externo, “o império” (EUA), para desviar a atenção dos problemas internos. A começar pelo colapso do quase único produto de exportação venezuelano: o petróleo. Desde junho, o preço do barril caiu quase 50% — ontem, estava a US$ 60. Para fazer frente à crise, a Venezuela precisa que esteja entre US$ 120 e US$ 140. Nada indica que subirá tanto e nem tão cedo.
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