A campanha vinha meio morna, como de resto ocorre desde que as eleições deixaram de ser uma novidade, passando de exceção a regra repetida de dois em dois anos como parte do calendário nacional.
Aos que sentiam sua falta, eis de volta a emoção pela via da tragédia que abriu caminho à realização de dois tipos de anseios existentes no eleitorado: desalojar o PT do poder e a possibilidade de dar ao próprio voto o sentido de utilidade cívica e bem-estar psicológico.
Os fatores aí envolvidos podem ser a esperança difusa, o protesto à deriva, a admiração por uma figura ímpar em relação ao elenco tradicional ou mesmo a sensação gostosa de ficar ao lado do "bem" imaginando-se partícipe de uma espécie de reinvenção do Brasil.
Seja por qualquer desses pontos ou pela junção de todos eles e outros tantos, fato é que a entrada de Marina Silva no páreo pôs a eleição deste ano em outro patamar, no mínimo despertou o interesse de quem andava desinteressado.
Esse contingente que por ora opta por Marina Silva dando a ela o segundo lugar nas pesquisas, distante do tucano Aécio Neves, derrotando com folga a presidente Dilma Rousseff no segundo turno, não necessariamente escolhe um projeto de País com começo, meio e fim. Até porque isso a candidata do PSB ainda não apresentou.
Nem é certeza de que seja necessário que apresente planos e propostas detalhadas para sentar praça no coração (sim, é mais com corações e menos com mentes que estamos lidando) do eleitorado. No debate da Band, na terça-feira, a candidata do PSB trabalhou basicamente com conceitos. Ou "ideias-força".
Projetos passados, presentes ou futuros, números, índices, resultados e porcentagens ficaram ao encargo da presidente Dilma Rousseff e do candidato do PSDB, Aécio Neves.
O tucano procurando se mostrar como o caminho da mudança segura citando exemplos de sua administração em Minas e, quando provocado, remetendo-se às realizações do governo Fernando Henrique.
A presidente repetidamente forçando comparações com as gestões FH e se perdendo na confusão de dados oficiais na pressa de encaixar a maior quantidade possível de citações de programas de governo na limitação das regras do tempo para cada debatedor.
Marina fugiu desse enquadramento. Numa perspectiva mais realista, isso pode ser visto como ausência de clareza e consistência. Mas, do ponto de vista do eleitor ávido pelo "novo" pode ser percebido como sinal de uma visão diferente.
Em resumo, quais as "ideias-força" de Marina? As seguintes: Dilma não admite erros do governo, mostra "um Brasil que não existe", PT e PSDB querem dividir o País enquanto ela pretende unir. Marina vai governar com "as melhores competências", sempre voltada para as demandas da sociedade e não para os interesses partidários. Além disso, ela, apenas ela, tem uma visão abrangente e não preconceituosa do que seja "elite".
Conta meias-verdades para adaptar a realidade à sua narrativa. Por exemplo: os tucanos jamais foram partidários da dicotomia do "nós" contra "eles", de autoria petista, mas Marina socializa a tese para se diferenciar dos adversários. Cria, assim, sua própria versão dos fatos, repetindo um truque da velha política.
Mas nela não cola. Neste aspecto, tem vantagem semelhante à de Lula: certas características não muito positivas são toleradas simplesmente porque as pessoas só querem enxergar o que convém ao que já elegeram como fonte de alívio de consciência e de bem-estar. Chega um momento em que não estão dispostas e serem importunadas com o contraditório.
Marina terá atingido esse patamar de inviolabilidade? Ainda é dúvida. Certo é que ela mostrou no debate ser competidora dura, bem articulada, embora vulnerável à tentação da soberba.
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