Os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação significativa da moeda brasileira têm se elevado como resultado do aumento de incertezas e do alto nível de intervenções do Banco Central (BC). Adicionalmente, e não de forma clara, mas efetiva, o câmbio sobreapreciado pela atuação da autoridade monetária causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas. O resultado final é risco de inflação mais elevada, menor investimento e crescimento econômico.
Descambal era o termo usado na década de 80 para classificar o descontrole da política cambial. Obviamente, estamos muito longe do risco de duas moratórias seguidas, como as de 1982 e 1987, mas os riscos para o financiamento das contas externas e a consequente depreciação da moeda têm se elevado em razão das incertezas e das intervenções do BC. Essas são inéditas e arbitrárias e pouco têm que ver com os fundamentos do balanço de pagamentos. Principalmente por se tratar de crise econômica interna (alta da inflação e baixo crescimento), e não externa.
A venda de ração diária de swaps cambiais e suas rolagens já somam mais de US$ 226 bilhões, e o saldo atual é de US$ 93 bilhões. Desde 1986, quando do início do mercado de hedge cambial, a atuação recente destaca-se, inclusive, em comparação com a de 2008, na esteira da grave crise internacional. Além de as atuações anteriores não terem atingido essa magnitude, foram pontuais e cumpriram seus objetivos de controlar a volatilidade da moeda apenas, sem a intenção de influenciar o nível da taxa de câmbio.
Inexiste atualmente, no mercado de moedas mundial, paralelo em termos de intervenção no mercado de derivativos cambiais. E pelas sinalizações mais recentes do BC, a atuação continuará até o fim do ano.
Mas, a despeito da atuação do BC e da retirada de todas as medidas que haviam sido adotadas para controlar a entrada de dólares nos anos anteriores, o real é a segunda moeda mais volátil no horizonte de seis meses, só perdendo para o rand sul-africano.
O fato é que o câmbio tornou-se, para o BC, o último cachorro no mato, ou seja, o único instrumento para exercer sua função institucional de guardião da moeda. Em 2011, quando o governo Dilma Rousseff ordenou a queda dos juros e simultaneamente a desvalorização do real, privou-se dos principais instrumentos de atuação, que são a política monetária e cambial. Assim, descredenciou o BC como guardião da moeda. Mas diante do resultado óbvio - inflação mais alta - devolveu algum poder à instituição, permitindo uma elevação da taxa básica de juros de 375 pontos-base.
O ponto é que, ao vender hedge (câmbio futuro), o BC tornou viáveis as operações especulativas de carry trade (arbitragem de taxa de juros). Agentes do mercado captam dólares no exterior, vendem no mercado à vista (spot) e, simultaneamente, compram dólares no mercado futuro, obtendo ganho pela diferença das taxas de juros interna e externa. Dos US$ 93 bilhões de swaps cambiais, avaliamos que cerca de US$ 48 bilhões estão relacionados com esse tipo de operação.
Herança maldita. Seja quem for eleito nas próximas eleições, terá de pagar a conta e efetuar os ajustes no mercado cambial, dado que em algum momento esses contratos futuros vão reverter-se em demanda por câmbio no mercado à vista.
A dúvida diz respeito à forma do ajuste. O risco é de uma correção abrupta, inclusive, considerando o contexto internacional, que será marcado por processos de elevação de juros em importantes países como Estados Unidos e Inglaterra.
É fato que não é só na área cambial que há herança maldita. Nessa conta devem incluir-se os passivos fiscais, além da necessidade de realinhamento de preços-chave, como é o caso de energia elétrica, combustível e transporte público, diante das distorções criadas ao longo dos últimos anos.
Ainda há que ponderar a oportunidade perdida com a falta de interesse por acordos comerciais. A opção pelo Mercosul, em que os principais parceiros, Argentina e Venezuela, além de protecionistas, passam por grave crise, não permite a exploração do potencial do comércio exterior. Os países desenvolvidos já recuperam o crescimento e, com isso, passam a demandar mais bens importados. O Brasil, porém, segue de fora deste novo ciclo de crescimento.
Caso o atual governo, se reeleito, persista na manutenção da atual equipe econômica e na política denominada "Nova Matriz Econômica", o Brasil corre o risco de perder sua classificação de grau de investimento. Assim, o País enfrentará dificuldades no financiamento das contas externas já em 2015. Respaldam essa afirmação:
O fato de o déficit em conta corrente ter aumentado de 2,1% do produto interno bruto (PIB) para 3,6% entre 2011 e 2013. Para 2015 a projeção é chegar a 4,2% do PIB. O principal motivo é o enfraquecimento da balança comercial, cujo saldo passou de US$ 29,8 bilhões a US$ 2,6 bilhões no período.
O prêmio de risco País, medido pelo Credit Default Swap (CDS), era em 2011 inferior à média dos países do pacto do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile) e hoje é o dobro.
Menor disponibilidade de liquidez externa, considerando o processo de alta de juros pelo Federal Reserve e pelo Banco da Inglaterra.
Aumento da fragilidade fiscal via redução dos superávits primários dos últimos três anos de 3,1% para 1,5% do PIB, com a agravante das manipulações criativas dos resultados fiscais.
Em suma, a atuação do Banco Central no mercado cambial tem gerado riscos no sentido de um ajuste abrupto, o que pode resultar em significativa depreciação da moeda. Adicionalmente, e não tão aparente, mas existente, o câmbio sobreapreciado causa distorções na formação de preços relativos que agravam os desequilíbrios nas contas externas do País, o que traz risco inflacionário, redução nos investimentos e também do crescimento econômico.
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