O ESTADÃO - 07/08
Relevante porque, no regime presidencial-majestático da política brasileira, cabe exorcizar o personalismo de presidentes que se autoatribuem sucessos pelos quais não foram tanto ou mesmo nada responsáveis, ao mesmo tempo que escondem fracassos de suas ações. Para identificar uma coisa e outra é preciso examinar as circunstâncias em que ocorreram essas ações de modo a identificar o que de fato resultou delas e as demais causas. Como disse um filósofo, a pessoa é inseparável das circunstâncias no seu entorno.
Relevante também porque, nas circunstâncias eleitorais do momento, o personalismo autogratificante tende a ser exacerbado pela candidata à reeleição, alcançando também feitos atribuídos a seu antecessor. E ao fazer isso recorre a comparações dos quase 12 anos de governos petistas com os oito de Fernando Henrique Cardoso, sem atentar para as diferentes circunstâncias que marcaram os dois períodos. A oposição não pode entrar nesse jogo. Seus esforços devem ser dirigidos a outros afazeres, como o da comparação que intitula este artigo.
Segue-se um esboço dela na área econômica.
Na economia de um país, ações de seu governo usualmente se voltam para promover o crescimento do produto interno bruto (PIB), mas sem descuidar da inflação, das contas públicas e das externas. Desequilíbrios nessas áreas, no Brasil já embrionários, podem levar a sérias crises. Diante das desigualdades sociais do País, também é indispensável um esforço para reduzi-las.
Quanto ao PIB em si, a comparação com o período Lula é fortemente desfavorável a Dilma. Naquele período, a média aritmética das taxas anuais de variação do PIB foi 4,1%. Sob Dilma, e supondo uma taxa de 1% em 2014, essa média caiu para 1,8%. Mas é descabido avaliar desempenhos apenas por essas taxas, pois isso implicaria dizer que o PIB de um país depende apenas do que fazem seus presidentes, um imenso absurdo.
Mas na campanha de 2010, e mesmo depois de eleger-se, Dilma sempre seguiu esse personalismo, apregoando que Lula e ela, como sua "gerentona", haviam ampliado fortemente o crescimento do PIB, criado milhões de empregos, e por aí afora. Agora, o que ela vai dizer? Há indícios de que o bode expiatório será o desempenho da economia mundial, mais fraco na sua gestão.
Mas esse argumento só pegará se o Brasil for um país de tolos. O aspecto mais frágil da nossa economia é que ela investe pouquíssimo na expansão da sua capacidade produtiva, com o que não produz PIB bem maior. Tome-se a China, que em 2014 também vai derrotar o Brasil pelo humilhante placar de 7 a 1. Isso numa imaginária Copa do PIB em que cada 1% de crescimento valesse um gol. Mas por muitos anos a China se preparou para ganhar essas Copas investindo perto de 40% do seu PIB, enquanto o Brasil está em míseros 18%. Poder-se-ia argumentar que o país asiático tem governo autoritário, sua população é mais disciplinada e poupadora que a nossa, etc. Mas aqui perto, na América Latina, países como México, Chile, Colômbia e Peru, que investem perto de 25% do PIB, nas suas taxas de crescimento também derrotam o Brasil com folga, com placares de 3 a 1 e até de 5 a 1, conforme previsões para 2014. E, o que é importantíssimo, também enfrentando a mesma fragilidade da economia mundial com que o Brasil se depara.
Voltando aos anos Lula, o então maior crescimento do PIB, conforme a referida média, foi muito beneficiado por um período de bom desempenho da economia mundial. Dessa vez, marcado pelo forte aumento da demanda chinesa por nossas commodities, o que também aumentou seus preços. Outra força muito forte foi a expansão do crédito no Brasil, que cresceu perto de 20% do PIB entre 2002 e 2010, uma enormidade se comparada com o crescimento dos gastos sociais federais, que no mesmo período foi de 1,6% do PIB. Muitas vezes este último aumento é equivocadamente apontado como fator preponderante, embora de impacto bem menor que os outros dois citados.
Foi nesse quadro de vacas gordas que Lula cometeu um erro gravíssimo, o de crer que tal cenário continuaria indefinidamente e não optar por fortalecer a economia com mais investimentos. Dilma, em seguida, tampouco percebeu que o impulso vindo de fora para dentro do País e aqui os da expansão do crédito ao consumo haviam perdido a maior parte do seu ímpeto. O crédito, contido pelo maior endividamento dos devedores e pela maior cautela dos bancos ao concedê-lo. De sua parte, o governo continuou gastando cada vez mais sustentado pela mesma crença e disfarçando com a tal "contabilidade criativa" a consequente piora do estado de suas finanças. E, na microeconomia dos setores, Dilma interveio de forma contundente e equivocada nos seus preços, prejudicando seriamente o elétrico, o petrolífero e o sucroenergético, no processo danificando até suas queridíssimas empresas estatais envolvidas nos dois primeiros.
Tudo isso gerou o atual clima de pessimismo quanto à economia e de desconfiança no governo federal. Desse ambiente a presidente Dilma se queixa a empresários, sem reconhecer a culpa por seus próprios erros e mudar com vigor o rumo de sua política econômica.
Assim, o que se pode concluir desse retrospecto é que Lula não foi o maior responsável pelo crescimento do PIB no seu mandato, e deixou como legado um insustentável modelo de crescimento. Só mais tarde Dilma percebeu que não funcionava. E, já de olho nas urnas, optou pelo intervencionismo setorial, não tendo assim como escapar a uma responsabilidade maior pelo mau desempenho da economia.
Se culpar a economia mundial pelas taxinhas do PIB no seu governo, terá de admitir que à mesma economia cabe o devido crédito pelas taxas maiores do governo Lula, que surfou em ondas impulsionadas pelas circunstâncias. Em síntese, a comparação deixa ambos longe do conforto em que se imaginam.
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