FOLHA DE SP - 07/08
Brasileiros que hoje estão separados e cujos filhos moram no exterior relatam crescentes dificuldades para trazê-los ao Brasil, mesmo quando a intenção é apenas passar um período de férias.
O motivo: os Judiciários de outros países começam a considerar alto o risco de a criança ser retida por aqui --sem o consentimento de um dos pais e em flagrante desrespeito a um tratado internacional.
Não se pode condenar os juízes que pensam assim; a presunção se baseia não em preconceitos, mas em fatos. Tem aumentado o número de queixas contra brasileiros acusados, nos termos da convenção de Haia, de sequestrar os próprios filhos.
Contando com a adesão de mais de 80 nações, entre as quais o Brasil, esse tratado estabelece que, quando uma criança é retirada ilicitamente do país onde vive, seu retorno deve ser determinado pela Justiça do local de destino em até seis semanas.
Um prazo como esse, no entanto, não passa de ficção para o Judiciário brasileiro. As decisões efetivas sobre esse tema com frequência tardam mais de cinco anos. Nesse período, não é difícil imaginar, a criança já terá se habituado ao novo ambiente, com o que a volta, se de fato for ordenada, representará um segundo trauma.
Instaura-se, assim, uma lógica perversa: ao enfraquecer, a cada situação concreta, o princípio de urgência que rege a convenção, a morosidade estimula a reiteração da conduta ilegal; esta, por sua vez, reforça, em outros países, a percepção de que o Brasil descumpre o tratado do qual é signatário; isso, enfim, prejudica os genitores que jamais cogitaram no ato ilícito.
De acordo com o órgão do governo responsável por monitorar o cumprimento da convenção, o número de casos novos praticamente dobra a cada ano. Em 2013, havia 193 processos em andamento; em 2014, já são 243 em apenas seis meses. Neste ano, 79% das queixas se referem a crianças trazidas para o Brasil, enquanto 21% a menores levados ao exterior.
Talvez essa situação mude nos próximo anos. Desde 2010 o Superior Tribunal de Justiça tem analisado o mérito de ações desse tipo. As decisões, ainda poucas, têm em geral privilegiado o cumprimento da convenção internacional, mesmo que de forma tardia. É de esperar que isso se reflita em sentenças mais céleres na primeira instância.
Enquanto isso, a proverbial lentidão do Judiciário brasileiro, que provoca conhecidos transtornos às partes envolvidas num processo judicial, faz uma nova vítima: a imagem do país no cenário global.
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