sexta-feira, agosto 15, 2014

Indústria e burocracia - MAURICIO CANÊDO PINHEIRO

O GLOBO - 15/08


Somos um país cujo ambiente de negócios se mostra, no mínimo, hostil


A edição de 2014 do relatório “Doing business” não trouxe surpresa quanto à avaliação do Brasil. Continuamos um país cujo ambiente de negócios se mostra, no mínimo, hostil (116ª colocação de um total de 189 países). E boa parte desse problema se deve à burocracia imposta pelo governo às empresas. Somente a título de ilustração: no Brasil, uma empresa gasta em média 2.600 horas por ano somente para lidar com os trâmites contábeis e burocráticos envolvidos no pagamento de impostos. Não há nada sequer parecido em nenhum outro país. Ressalte-se que não se trata da carga tributária em si, mas da complexidade das regras que soterram os empreendedores com montanhas de formulários e procedimentos.

A redução desses custos deveria ser uma agenda prioritária de política industrial. Mas, muitas vezes, a própria política industrial é a fonte desses custos. Quando digo isso, tenho em mente especificamente a política de conteúdo local no setor de petróleo, mas esse argumento também se aplica a outras iniciativas de fomento à indústria.

Desde a Rodada 7, em 2005, o processo de aferição do cumprimento dos requisitos de conteúdo local passa pela emissão de certificados por entidades credenciadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Posteriormente, a prestação de contas também deve ser fiscalizada pela agência reguladora do setor. E os requisitos se aplicam a dezenas de itens e subitens que são insumos no processo de exploração e produção de petróleo e gás. Trata-se de procedimentos complexos e que envolvem muita burocracia.

Lembro-me que participei de um seminário sobre a política de conteúdo local no setor petróleo que envolvia funcionários das empresas do setor. Certa hora, um dos apresentadores resolveu fazer um comentário marginal sobre algum aspecto da prestação de contas. De uma hora para outra, o que era um seminário sobre os rumos da política, se transformou em uma longa troca de experiências de como preencher formulários. Horas de trabalho de pessoas altamente qualificadas, um recurso especialmente escasso no caso brasileiro, sendo alocadas para cumprir burocracias.

Em outros artigos já ressaltei a necessidade de alterações na política de conteúdo local no setor de petróleo. Não quero me alongar nos motivos, mas basicamente defendo que a política seja gradativamente atenuada com o passar do tempo. No entanto, me parece absurdo que um volume tão expressivo de investimentos — estamos falando de centenas de bilhões de dólares nos próximos anos — seja realizado sob um regime que envolve esse nível de complexidade e burocracia. Isso por si só já deveria ser suficiente para justificar mudanças na política.

Entretanto, esse não parece ser o caso. Recentemente a Petrobras sinalizou (novamente) que não vai conseguir cumprir os requisitos de conteúdo local da Rodada 7. A resposta da agência reguladora foi taxativa: qualquer mudança será na direção de aumentar as exigências. Aparentemente, seguiremos alocando mal nossos recursos.

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