GAZETA DO POVO - PR - 09/08
Com o cessar-fogo, mais fácil avaliar a extensão do incêndio: logo se percebe que Gaza não é uma estreita faixa de terra semiarrasada, com 6 ou 12 quilômetros de largura. É uma imensa região – coração do Oriente Médio – que sangra copiosamente em, pelo menos, três hematomas.
O conflito Israel versus Hamas, ora suspenso, é apenas um deles. Outro é a guerra civil na Síria, onde o governo enfrenta há três anos rebeldes de diferentes etnias e convicções. O terceiro localiza-se no Iraque, parcialmente ocupado por um levante de fundamentalistas de origem wahabita (a mesma dos sauditas), que pretendem chegar à Síria para formar um novo califado, o Estado Islâmico do Iraque e Levante. No momento, ameaçam arrasar o enclave dos curdos no Norte do Iraque, razoavelmente próspero e autônomo, para chegar às montanhas onde se abrigam os yazidis (minoria também curda, oriunda do zoroastrismo).
A nova ofensiva do exército pró-califado, nesta quinta, levou o presidente Barack Obama a autorizar os ataques aéreos a alvos selecionados no Iraque, três anos depois da retirada das tropas americanas do país. Considerando que o chamado Curdistão compreende não apenas o Iraque, mas também parte da Síria e principalmente a Turquia, evidencia-se a extensão desta Grande Gaza que a trégua informal entre Israel e o Hamas permite entrever.
Essa assustadora convulsão ao sul de um império russo subitamente tornado insano com a derrubada do seu títere, Viktor Yanukovich, na Ucrânia, recria justo no centenário da Grande Guerra um cenário de entrelaçamentos e vinculações, efeitos-dominó e efeitos-cascata de triste memória. As rememorações com entonação pacifista começam a ser substituídas por um “espelhismo” compulsivo que tenta assemelhar dissemelhanças mesmo em circunstâncias, momentos e com teores diametralmente opostos.
Aflitas Cassandras já se movimentam: agosto, com seus habituais desgostos; e setembro, com a lembrança do início da Segunda Guerra Mundial, em vez de estimular remissões inspiradoras criam um culto determinista e fatalista que só agrava as asperezas da realidade.
O tabuleiro da Terceira Guerra Mundial não está armado, nem sequer pode ser cogitado. O impensável permanece impensável, distante. A atual turbulência tem ingredientes capazes de desativá-la e mesmo crenças baseadas na autoimolação e no sacrifício são insuficientes para anular no ser humano a sua capacidade de gozar os frutos do seu espírito e talento.
Já tivemos momentos de igual gravidade e os líderes por eles forjados souberam perceber as brechas por onde avançar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário