O ESTADO DE S.PAULO - 13/07
O perfil de Guilherme Boulos e a entrevista em que ele avança algumas de suas ideias, publicados pelo Estado (6/7), dão uma ideia mais precisa do que é e do que pretende o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), do qual é o coordenador nacional. Ele se transformou na vedete dos chamados movimentos sociais, depois de comandar numerosas e bem-sucedidas invasões - ou ocupações, como pretende - de terrenos na capital paulista. E o que se fica sabendo não é animador. Ao contrário, tem tudo para alimentar a inquietação que suas ações vêm suscitando.
Não são apenas os números que mostram a força que Boulos e seu movimento adquiriram. Presente em sete Estados, o MTST reúne hoje cerca de 50 mil famílias, 20 mil das quais em São Paulo. Jovem ainda, com 32 anos, Boulos - oriundo da classe média, formado em filosofia pela Universidade de São Paulo e que diz viver de seu salário de professor - já pode se vangloriar de ter dobrado à sua vontade e à de seu movimento tanto a presidente Dilma Rousseff como o governador Geraldo Alckmin, o prefeito Fernando Haddad e a maioria da Câmara Municipal de São Paulo.
Cada um em sua esfera de competência, todos estão colaborando para legalizar as invasões do MTST, dentro dos termos impostos por Boulos. Sem falar nas seguidas manifestações dos sem-teto, que - diante de uma polícia cheia de dedos, por ordem de governantes temerosos de serem acusados de repressores por cumprir seu dever de manter a ordem pública - paralisam ruas e avenidas, com reflexos no trânsito já caótico de vastas áreas da capital paulista. Manifestações que tiveram seu ponto "alto", se se pode dizer assim, com o cerco do edifício da Câmara, durante sete dias, para obrigá-la a aprovar a transformação das áreas invadidas em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) para a construção nelas de moradias populares.
Que há um sério problema habitacional no País, não apenas ninguém contesta, como todos acham que o poder público deve ajudar a resolvê-lo. Prova disso é que os governos federal, estaduais e de vários municípios, em especial das grandes cidades, mantêm programas habitacionais há muito tempo. O que o MTST quer não é dar sua colaboração. É impor sua vontade, invadindo terrenos escolhidos a dedo para conseguir a maior visibilidade possível a suas ações e para obrigar os governos a dar prioridade à construção de moradias neles. As quais devem ser distribuídas a seus militantes, furando a extensa fila de quem já está à espera de sua casa nos programas oficiais.
Segundo Boulos, isso de furar a fila é "uma falsa polêmica, porque 90% dos que ocupam (terrenos) fazem parte do 1 milhão que está na fila". Falsa e enganosa é a explicação. O fato de 90% dos ocupantes fazerem parte da fila não significa que ela está sendo respeitada - e não está. A verdade é que para Boulos a fila não vale, porque é determinada por critérios políticos. Supondo que isso seja verdade, é o caso de perguntar: e a fila elaborada pelo MTST para os terrenos invadidos, notoriamente com base no critério da militância, não é política? E os restantes 10% que ele mesmo reconhece não estarem na fila, de onde vêm?
Mas tudo isso é "uma falsa polêmica", para usar sua expressão, porque - é esse o ponto fundamental da entrevista - "o MTST não é um movimento de moradia". Vejam só como as palavras - a referência aos sem-teto - podem ser enganadoras. É o que, então? "É um projeto de acumulação de forças para mudança social." Boulos, de acordo com seu perfil traçado pelo repórter Pablo Pereira, "se diz um marxista com a missão de acumular forças políticas para a revolução socialista".
É um direito seu. Mas os que não pensam assim têm igualmente o direito de saber se a pretendida revolução socialista de Boulos inclui a rejeição das liberdades e leis "burguesas", como indica a forma como ele e seus companheiros se comportam. O jogo tem de ser claro. Se Boulos rejeita o Estado de Direito vigente, não socialista, o que quer pôr no seu lugar? Alguém acredita que a maioria dos brasileiros aceita a revolução socialista? Já que ele teve um vislumbre de sinceridade, deve ir até o fim.
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