O GLOBO - 13/07
Sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento
Quando eu era estudante nos Estados Unidos, numa distante década do século passado, tive um excelente professor de Ciência Política, dr. William Bruce Storm. Ficamos amigos e de vez em quando eu ia a seu escritório no campus, onde batíamos papo e ele sempre me ensinava alguma coisa, nem sempre de política. Até hoje, por exemplo, sou um cachimbólogo razoável, porque ele me fez algumas fantásticas palestras sobre cachimbos, que ele pitava sem cessar, inclusive nas aulas, bons tempos. Um dia ele se queixou de que o time de futebol americano da universidade tinha perdido outra vez, parecia que queria acumular uma derrota atrás da outra. Sem conhecer nada de futebol americano, mas querendo responder alguma coisa, comentei brilhantemente que esporte é assim mesmo, um dia se perde, no outro se ganha.
— Son — disse ele — show me a good loser, and I’ll show you a loser.
Botei esse inglês aí porque gosto me lembrar da cara e da voz dele, quando me falou isso, e para quem souber inglês e quiser citar o original. A tradução é “Filho, me mostre um bom perdedor e eu lhe mostrarei um perdedor.” Sofridíssimo torcedor do Vitória, o mais antigo clube de futebol da Bahia e o último a ganhar um campeonato estadual, eu cansei de me prometer, sem nunca conseguir, parar de esbravejar, discutir e até romper com amigos, quando, na decisão e jogando pelo empate, o Vitória fazia um a zero e a gente já começava a comemorar, só que Carlito, um idolatrado centroavante do Bahia, fazia um gol de bunda e outro de joelho, nos últimos 15 minutos do jogo, e o Bahia mais uma vez levava a taça. Tenho sempre que recorrer à lição do professor Storm, para resignar-me à minha condição de péssimo perdedor, que sempre fui.
Claro que, a esta altura, eu não devia mais estar falando sobre a Copa (cartas de reclamação para o editor, por misericórdia). Todo mundo já falou e escreveu tudo sobre a Copa e agora os assuntos são outros, além de eu não entender de futebol e perder todas as discussões no boteco. Mas ainda escrevo sem saber o resultado do jogo de ontem (ontem, sábado, mas não para mim, que escrevo antes) e que pode ter sido outra vergonheira, além de, naturalmente, não ter visto o jogo de daqui a pouco, no qual sou Alemanha, não por qualquer animosidade contra os argentinos, mas em homenagem a meu neto alemão. Ele ainda é bebê, mas vocês precisam ver como chora bem em alemão, é um povo muito adiantado. E — nunca se sabe do futuro — pode ser o primeiro passo para a Alemanha aceitar a imigração de um avô de alemão.
Além disso, há os amigos. Não tenho ido a Itaparica recentemente e, como se diz hoje em dia e creio que é mais chique, não tive participação presencial na repercussão do enxovalhamento de nossas cores realizado no Mineirão. Mas Zecamunista me telefonou.
— Sibéria! — gritou ele — Sibéria! Nos tempos gloriosos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, você sabe muito bem o que acontecia, não sabe? Aquele time soviético que tomou dois a zero do Brasil na Suécia, depois que o famoso cérebro eletrônico deles previu vitória para eles, aquele time, com técnico, massagista e tudo, foi mandado para a Sibéria com passagem só de ida! Foram todos ficar lá na Sibéria, no Baixo Curugustão ou na Alta Eslobóvia, com o rabo gelando pela eternidade e obrigados a ver o dia todo um filme com Garrincha passando e deixando quatro russos estatelados na lama! E isso foi dois a zero, não foi aquela ninhada de ratos do Mineirão, sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento, podia ser no mínimo uns dezesseis! Você viu, os alemães dançavam uma polcazinha leve até a área brasileira e um perguntava ao outro: Mein Kamaraden, focê quer fazer essa gol? Nein, nein, muita obrigadas, muito gentilische de seu parte, fá focê, por fafor. Ach, nein, enton deischa pro Karl, que ainda non fez a dele, fai lá Karl! No quarto gol, eu pensei que era replay, não dava nem para assimilar, botaram o Íbis em campo, de camisa amarela.
— Mas, Zeca, se bem me lembro, você costumava denunciar o futebol como um anestésico das massas e...
— Não misture as coisas! Isto é uma manobra manjada para desviar o centro da discussão, eu estou falando sobre uma catástrofe pública! Seu amigo Toinho Sabacu...
— Que é que houve com Toinho?
— Não houve nada, só que ele teve de reforçar os remédios para a pressão e ficou dois dias sem sair de casa, aqui muita gente passou mal e quiseram até jogar pedra na televisão de Manolo. Em vez de escrever as besteiras de costume, você devia botar no jornal um artigo sério contra a Lei da Palmada. Vai ver que foi por causa dela que a família Scolari degringolou. Se Felipão pudesse dar umas palmadas em seus meninos, uns puxõezinhos de orelha no vestiário ou meia dúzia de bolos, botar de cara para um canto da sala, mandar escrever duzentas vezes, com boa letra, “de agora em diante só vou chorar na cama”, essas coisas, talvez a hecatombe não tivesse acontecido, esses irresponsáveis em Brasília fazem as leis e não medem as consequências. Eu estive pensando e agora tenho certeza de que os brasileiros devem esquecer futebol e se concentrar naquilo em que nós somos bons. Você viu o inglês que dizem que faturou duzentos milhões, vendendo bilhetes desviados? Mas que pretensão, a desse inglês. Roubo de duzentos milhões aqui eu acho que nem sai do jornal, de tão fichinha, aqui é roubo municipal no interior, esse inglês não tem qualificação nem para uma deputança. Esqueçamos o passado, vêm aí as eleições, hora de escolher democraticamente o seu ladrão!
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