O GLOBO - 24/07
Crise de abastecimento em São Paulo deve servir de alerta para a falta de programas eficazes de racionalização da distribuição e do consumo em todo o país
A pior crise de abastecimento da história de São Paulo, com o maior reservatório do estado virtualmente seco, derruba o mito de que a água não é um problema no Brasil. Principalmente, expõe a preocupante evidência de que o país — poder público, órgãos/empresas do setor e mesmo a população — é relapso com seus recursos hídricos. A água, um bem vital que escasseia em boa parte do planeta, ainda não é tratada como tal, e a sombra da seca — até aqui flagelo associado quase unicamente ao Nordeste — sobre as regiões metropolitanas da capital da mais rica unidade da Federação ameaça sair do terreno de impensável pesadelo para a realidade dos paulistanos e paulistas. Mas o risco de desabastecimento não é um problema localizado; é uma questão nacional.
O mito da água em abundância até pode ter um quê de verdade, em razão das gigantescas bacias hidrográficas da Amazônia. Mas grandes reservas não implicam, necessariamente, abastecimento eficaz. Na mesma Região Norte que concentra os maiores mananciais do Brasil registram-se (junto com o Nordeste) os piores índices de distribuição de água. Alguns estados chegam a conviver com um índice absoluto de intermitência — ou seja, na região mais rica em recursos hídricos do país todos os domicílios ligados às redes de água sofrem interrupção do fornecimento pelo menos uma vez por mês.
A razão do risco de desabastecimento em São Paulo pode, no máximo, ser dividida com a ocorrência de apagões climáticos, como baixos índices pluviométricos — fatais para o sistema Cantareira, mas não exclusivos. Dez anos atrás, a Agência Nacional de Águas (ANA) já apontava para a necessidade de se fazer obras que pudessem reduzir a dependência do sistema. Por sua vez, a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo enviou em 2009 à empresa responsável por captar, tratar e distribuir a água no estado um relatório sobre o Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O documento apontava um déficit de grande magnitude em Cantareira e aconselhava o governo estadual a tomar medidas para evitar o colapso. As chuvas abundantes dos dois anos seguintes afogaram o alerta.
A leniência com que se trata a questão da água tem também raízes culturais. Órgãos da administração pública, não raro, não têm projetos eficazes de racionalização, e quando os têm não os implantam. A transposição do São Francisco, por exemplo, e uma série de outros programas de aproveitamento sustentável do rio não andam. A população, por sua vez, costuma ser perdulária. A junção desses comportamentos (planos oficiais escassos de racionalização e perdas com mal uso, vazamentos e ligações clandestinas) resulta numa previsão sombria: segundo a ANA, 55% das cidades brasileiras correm o risco de não manter o atual nível de abastecimento já em 2015. Já passou da hora de se encarar a questão com seriedade.
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