FOLHA DE SP - 06/03
Crédito estudantil tira jovens do mercado de trabalho e ajuda a manter desemprego em nível baixo
CADA VEZ MAIS, jovens têm preferido estudar a trabalhar, indicam as pesquisas de emprego e o número de matrículas no ensino superior. Ao trocar o trabalho pela faculdade, os jovens ajudam a derrubar a taxa de desemprego, fenômeno que ficou evidente em especial no ano passado.
A reviravolta se deveu em parte a um programa do governo que facilitou o financiamento dos estudos, segundo estudo dos economistas Aurélio Bicalho e Luka Barbosa, do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do banco Itaú.
Desempregado não é quem está sem trabalho, mas quem procura e não encontra emprego. Quem deixa de querer trabalho deixa de fazer parte da população economicamente ativa (PEA). Se a oferta de empregos cai, mas cai também a PEA, o desemprego pode até diminuir. É o presente caso brasileiro: a PEA está caindo. Mais gente deixa de procurar trabalho, em especial jovens de 18 a 24 anos.
É fato que o mercado de trabalho ficou mais frio, pois a economia tem crescido mais devagar. O número de trabalhadores em janeiro deste ano era 0,1% menor que em janeiro de 2013 (nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE). Parece pouco, mas a população ocupada crescia ao ritmo anual de 2% em 2011-2012 e de 3% de 2006 a 2008.
A diferença é brutal. Fica evidente também nas estatísticas do emprego formal, que aumentava ao ritmo de 120 mil vagas mensais entre 2006 e 2008, caindo para 60 mil em 2013, relembra o pessoal do Itaú.
Segundo Bicalho e Barbosa, o mercado de trabalho mais fraco desestimulou a procura de emprego. Mas outro fator deve ter contribuído para mudar as preferências dos jovens.
Em 2010, o governo melhorou as condições do crédito por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os juros caíram muito e o prazo para pagar aumentou. O número de matrículas pelo Fies foi de 76 mil em 2010 para 566 mil em 2013. O número de jovens inativos cresceu entre 2012 e 2013, a maior parte deles entre os que estudam (82%).
Obviamente, a decisão de estudar em vez de trabalhar depende das condições de vida das famílias. A renda cresceu bem na década recente. Se as famílias estivessem no aperto, os jovens teriam de ajudar em casa e/ou estariam menos inclinados a tomar um financiamento.
No presente contexto, os jovens do Fies não devem voltar ao mercado, o que deve manter o desemprego baixo e a inflação pressionada nos próximos trimestres, notam Bicalho e Barbosa.
Sem uma pesquisa específica com os jovens, é difícil cravar o motivo da mudança de comportamento. Mas o estudo de Bicalho e Barbosa fundamenta com cuidado uma hipótese razoável. O trabalho, de resto, evidencia outra mudança social que tem recebido pouca atenção.
O desemprego não está baixo apenas por causa dos jovens estudantes, claro; aliás, está curiosamente baixo, dadas a desaceleração do ritmo do PIB (de crescimento anual de 4% sob Lula para 2% na média de Dilma) e a alta de custos para as empresas. É provável que as reduções de impostos sobre a folha salarial, entre outros, tenham compensado a baixa econômica e os custos crescentes, embora tal "solução" não seja sustentável, dado o deficit crescente do governo.
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