VALOR ECONÔMICO -06/03
O resultado das contas públicas anunciado na semana passada decepcionou por ter sido o pior janeiro desde 2011. Mas a verdadeira deterioração no cenário fiscal de 2014 foi divulgada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que estimou as chuvas em março em 67% da média histórica. "Dito de outra forma: as térmicas vão ficar ligadas o ano inteiro e as premissas com que o governo vinha trabalhando terão que ser revistas", explica uma autoridade federal. E mais: cresce no governo a ideia de mudar as regras de cálculo dos preços do setor elétrico para reduzir na canetada o tamanho do problema fiscal.
O cenário com que trabalha o Tesouro Nacional é de que as chuvas de março serão suficientes para reduzir o custo da energia no mercado de curto prazo e, assim, baratear também o socorro que o governo terá que dar às distribuidoras de energia, afetadas pelo alto custo da geração termelétrica.
Para se ter uma ideia do tamanho da esperança, o Orçamento de 2014 foi elaborado com um preço médio da energia de R$ 160,00 ao longo do ano. No ano passado, o custo médio anual foi calculado em R$ 262,56 e este ano está no teto de R$ 822,63 desde o início de fevereiro.
Nas reuniões internas, o governo não vinha mais trabalhando com um valor de energia tão baixo como aquele usado na elaboração do Orçamento, mas considerava "realista" que o custo da energia cairia a partir de março/abril, fim do período de chuvas. Com isso, o gasto do Tesouro Nacional com o socorro ao setor elétrico oscilaria ao redor de R$ 10 bilhões.
Com a nova previsão de chuvas do ONS, as chances de o gasto do governo chegar ao teto de R$ 18 bilhões projetado pelo setor privado e inclusive ultrapassar esse valor passaram a ser o cenário mais provável, na avaliação feita por essa autoridade do governo.
A presidente Dilma Rousseff teve uma reunião na semana passada com a cúpula do setor elétrico. Avaliaram as previsões meteorológicas e decidiram continuar apostando em São Pedro. Até o fim do período chuvoso, o governo não fala nem mesmo em medidas de racionalização do uso da energia.
Tomam corpo pela Esplanada dos Ministérios, no entanto, avaliações de que o problema não está na falta de chuvas, mas na fórmula matemática que calcula o preço da energia no mercado de curto prazo. O raciocínio é mais ou menos assim: o sistema elétrico brasileiro é majoritariamente hidroelétrico. As concessões das geradoras, renovadas em 2012, tiveram como base um custo de operação de R$ 30,00 por MW. Portanto, não há motivos para os consumidores ou o Tesouro Nacional pagarem R$ 822,83 por MW. "O preço está muito alto. Tem que mexer nisso", resumem os críticos.
Mexer nos preços da energia no mercado de curto prazo pode reduzir a conta do Tesouro Nacional, mas será mais uma daquelas soluções com marca de casuísmo, contabilidade criativa e perda de credibilidade.
Há um princípio econômico para que o preço da energia seja calculado como ele é. A lógica de formação do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) é que ele reflita o custo marginal da energia, ou seja, o custo de produzir o último megawatt. No caso do setor elétrico, isso significa o preço da térmica mais cara em uso no momento. Contrariar esse princípio básico significa introduzir mais uma distorção nos preços do setor. Depois de segurar as tarifas para controlar a inflação e ver a estratégia naufragar, é de se imaginar que as autoridades sejam mais cautelosas com essas soluções.
Oficialmente, o governo diz que só vai tratar da questão fiscal do setor elétrico depois das chuvas, mas na prática não poderá adiar o problema por mais que algumas semanas.
As distribuidoras de energia têm que depositar garantias ao pagamento da energia comprada em janeiro até o dia 11 de março. O governo já sabe que pelos menos uma grande distribuidora em um importante mercado consumidor tem dificuldades de caixa para fazer o depósito.
Mas talvez a maior pressão venha de fora. A missão da Standard & Poor"s, uma das principais agências internacionais de avaliação de risco, chega ao Brasil no começo de março. As reuniões com o governo já estão marcadas e uma das perguntas que serão feitas é como o governo vai resolver o problema do setor elétrico.
Quem conhece o mundo das agências de rating diz que o caminho natural depois que a S&P colocou a nota de crédito brasileira em perspectiva "negativa" é um downgrade ou um retorno à perspectiva estável ou positiva. São poucos e raros os casos em que uma missão de avaliação confirmou e manteve por mais tempo a perspectiva negativa de um rating.
No governo, há uma visão de que alguns dos recentes indicadores econômicos vão dificultar o discurso do downgrade. Entre os pontos positivos estão o resultado do PIB de 2013, que ficou em 2,3% e acima do projetado, e a boa aceitação da meta fiscal para o ano, considerada realista pelo mercado. O desempenho da economia vai, inclusive, melhorar marginalmente os indicadores de endividamento do país, um dos critérios centrais de avaliação das agências de rating.
No campo contrário a esse discurso, estão os que consideram esses resultados parte do passado. Olhando adiante, a S&P enxergará uma economia em desaceleração, incertezas fiscais para as quais não há solução, um mundo mais volátil por causa da retirada de estímulos da economia dos Estados Unidos e uma eleição presidencial no calendário brasileiro.
Para esses observadores, o melhor resultado da avaliação da nota de crédito do Brasil será um downgrade que ainda deixará o país no grupo de grau de investimento e baixo risco. Esses analistas não descartam um downgrade seguido de uma perspectiva negativa, mas reconhecem que os sinais pró-mercado que o governo tem se empenhado em mandar podem ser suficientes para evitar o pior.
Mas tanto otimistas quanto pessimistas reconhecem que o governo não conseguirá construir um discurso fiscal coerente se não souber responder à S&P e a quem mais perguntar como pagará a conta do setor elétrico.
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