FOLHA DE SP - 23/03
Considerando o cenário das contas públicas e as características demográficas do país, é inevitável reformar o modelo da Previdência
Na avaliação do Planalto, o ministro Garibaldi Alves (Previdência) provocou certo estrago na imagem do país ao comentar, supostamente sem razão, previsões de gastos constantes do Orçamento.
Segundo disse ao jornal "Valor Econômico", Alves considera subestimado o deficit previdenciário calculado pelo governo. O rombo neste ano chegaria a R$ 50 bilhões, ou R$ 10 bilhões a mais que a cifra estimada pela equipe econômica.
Mais tarde, o ministro viu-se obrigado a se retratar. Se sua versão não fosse oficialmente desmentida, investidores teriam ainda mais motivos para desconfiar das metas de poupança do governo.
O ataque de sinceridade, todavia, fez mais que evidenciar descompassos na gestão das contas públicas. Serviu para recolocar em pauta o deficit da Previdência, tema tão delicado no presente quanto importante para o futuro do país.
Verdade que, nos últimos anos, tem-se mantido em torno de 1% do PIB a quantia destinada ao financiamento da Previdência. O problema é que essa relativa estabilidade decorre do aumento da formalização da mão de obra, que permitiu aumento da arrecadação. Esse processo, como é óbvio, tem um limite.
Mais importante do que isso, as tendências demográficas para as próximas décadas suscitam justificadas apreensões quanto ao aumento desse desequilíbrio. Hoje, mesmo com uma população jovem, os gastos previdenciários do Brasil equivalem a 11% do PIB (7% para o INSS e 4% para o funcionalismo público). São níveis comparáveis aos de países desenvolvidos, que têm parcela bem maior de idosos.
Por enquanto, o percentual de brasileiros ativos cresce em ritmo superior ao da população total. Isso logo mudará, enquanto a fatia de pessoas com 60 anos ou mais passará de 10%, em 2010, para 19%, em 2030, e 29%, em 2050.
A imagem mais frequente para tal elevação de gastos sem contrapartida na arrecadação é a de uma bomba-relógio. A situação é ainda mais complexa dado que o Orçamento do país já não tem muita elasticidade, por assim dizer.
Ninguém ignora que a cobertura social cresceu de forma expressiva nos últimos 20 anos. Os programas de combate à pobreza produziram resultados marcantes, e o poder de compra do salário mínimo elevou-se em 150% desde 1994.
Também é fato que só foi possível destinar mais recursos a tais finalidades graças ao crescimento ininterrupto da carga tributária, que passou de 25% para 36% do PIB no período, índice superior até ao patamar de alguns países ricos.
Não será possível, assim, manter altas continuadas do gasto social em relação ao PIB sem que os tributos comprometam ainda mais a economia e, a rigor, a própria sustentabilidade de tais programas.
Dados o cenário das contas públicas e as características demográficas do país, é forçoso concluir pela inevitabilidade de uma reforma da Previdência. São três os pontos fundamentais que fazem o Brasil destoar do padrão: a idade mínima para aposentadoria, os critérios de concessão de pensões por morte e a indexação do piso dos benefícios ao salário mínimo.
O aumento da expectativa de vida precisa se traduzir na extensão do tempo de trabalho. Homens aos 55 anos ou mulheres aos 52 não podem mais ser considerados idosos --e, no entanto, essa foi a média de idade das aposentadorias em 2013.
Sem que prosperasse, surgiu como sugestão, há pouco tempo, a fórmula 85/95, na qual os números (que precisariam ser bem estudados) se referem à soma da idade com o tempo de contribuição exigido, respectivamente, de mulheres e homens. Haveria, além disso, idade mínima para aposentadoria no caso dos futuros participantes.
Quanto às pensões por morte, hoje quase não há restrições. O país gasta 3% do PIB nessa rubrica, quando a média mundial fica em torno de 1%. O viúvo ou a viúva recebe o valor integral e de maneira vitalícia, sem que importem idade do sobrevivente ou se tem renda própria, entre outras liberalidades que precisam ser revistas.
Por fim, há a controversa indexação constitucional do piso previdenciário ao salário mínimo, um mecanismo que assegura a correção dos valores pagos. O benefício decerto deve ter seu poder de compra preservado, mas não corrigido acima da inflação. Tal restrição não necessariamente se aplica ao salário mínimo. A vinculação, além de pressionar o deficit, limita ganhos reais num caso e os atribui indevidamente no outro.
Reformas dessa natureza não são incompatíveis com o combate à pobreza e à desigualdade, que pode ser levado adiante por meio de programas de transferência de renda e investimentos em áreas estratégicas, como saúde e educação.
Se não passar por mudanças, a Previdência, em vez de fomentar a solidariedade intergeracional, deixará uma conta impagável para as gerações futuras.
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