FOLHA DE S. PAULO - 10/03
SÃO PAULO - Vladimir Putin, o autocrata de Moscou, tem sido acusado nesta crise ucraniana de atiçar uma nova edição da Guerra Fria. Quem o acusa também reclama da incompetência das lideranças do "Ocidente", que poderiam ter domado o belicismo russo.
É preciso utilizar os conceitos com alguma coerência. A lógica do confronto bipolar não pode aparecer ao mesmo tempo, mas com valores opostos, dos dois lados da crítica. Se Putin a tenta reviver, leva tabefe. Já os EUA e a Europa Ocidental são condenados por não terem recorrido a ela.
A bipolaridade foi enterrada simbolicamente com o fim da União Soviética, em 1991. Vinha sendo soterrada de fato muito tempo antes, com a afluência econômica da Ásia, o que diversificou os centros de riqueza e prosperidade no planeta e aprofundou a interdependência produtiva e financeira entre as nações.
Foi nesse bonde que os fragmentos do bloco soviético embarcaram assim que o império vermelho espatifou-se. A Rússia balançou no início, mas logo achou seu lugar no tabuleiro, como destacada fornecedora de energia do continente europeu.
Os primeiros louros dessa especialização produtiva coincidiram com a passagem inicial de Putin pelo Kremlin (2000-2008), quando a economia cresceu 7% ao ano. Como ocorreu com todos os exportadores mundiais de energia, o teto do crescimento russo baixou bastante após a crise global do final da década passada.
Ainda assim, a Rússia tem hoje um PIB idêntico ao do Brasil (US$ 2,2 trilhões), mas uma população 30% menor --e caindo. As amplas reservas energéticas russas tendem a tornar-se ainda mais disponíveis para exportações, e a Europa continental é o mercado óbvio para elas.
Seria estúpido como rasgar dinheiro, dada essa sólida dependência entre economias da Europa, aplicar à crise ucraniana o raciocínio defunto da Guerra Fria.
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