CORREIO BRAZILIENSE - 22/03
Vários são os indicadores de que a pegada ecológica da humanidade já superou os limites da capacidade de suporte do planeta. Usamos hoje 50% a mais de recursos naturais (água, solo, biodiversidade) do que a Terra é capaz renovar. Extrapolamos as 400 partes por milhão (ppm) de CO2 na atmosfera, fator considerado extremamente crítico pela unanimidade dos climatologistas.
O papel das políticas públicas indutoras de uma economia sustentável será cada vez mais determinante. Entretanto, no Brasil, entre 2008 e 2013, foram destinados mais de R$ 200 bilhões em incentivos tributários federais (desonerações) para diversos setores da economia (R$ 100 bilhões para a indústria, R$ 45 bilhões para a agropecuária, R$ 9 bilhões para energia e R$ 11 bilhões para transportes) sem que critérios de sustentabilidade tenham sido considerados.
Estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), lançado no fim de 2013, demonstrou que, enquanto em 2007 o incentivo fiscal federal para venda de automóveis (IPI) foi de R$ 300 milhões, em 2012 foi de R$ 1,5 bilhão; e em 2013, mais de R$ 3 bilhões. A isenção da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustível somou renúncia fiscal de R$ 8,4 bilhões somente no ano passado.
Entre 2005 e 2010, houve aumento vertiginoso também nos incentivos tributários federais para o setor de agricultura e agronegócio: de 1.100%. Esse setor é responsável pela maior fatia das emissões totais de CO2 no Brasil (37% do total em 2010). Bilhões de reais estão sendo redirecionados anualmente para o consumo de automóveis, agrotóxicos, fertilizantes, queima de carvão e de combustíveis fósseis.
É proporcionalmente nula a destinação de incentivos tributários para atividades voltadas para aumentar mobilidade urbana e transporte coletivo, reciclagem de resíduos, manejo e recuperação florestal, fontes energéticas renováveis, dentre outras atividades consideradas "verdes" também geradoras de empregos e renda.
Nos estados não é muito diferente. Pará e Mato Grosso, campeões dos desmatamentos ilegais na Amazônia nos últimos 10 anos, por exemplo, praticamente isentaram a pecuária de ICMS, inclusive para venda de boi em pé (que nada agrega de valor e emprego), além de ser o principal fator de emissões de CO2 do setor agropecuário (57%) e de desmatamento (ocupa 85% das áreas desmatadas ilegalmente).
A evidente incongruência entre as políticas nacionais de Meio Ambiente e de Mudanças Climáticas e a política tributária brasileira aumenta a cada ano. É preciso lembrar que a Constituição de 1988, por força de emenda de 2003, estabeleceu no artigo 170, VI, que a ordem econômica do país deve observar o princípio da "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação". Esse dispositivo constitucional impõe à área econômica do governo novo referencial para a aplicação de políticas públicas de desenvolvimento econômico.
A extrafiscalidade (uso de tributos como indutor de comportamento), a seletividade (possibilidade de alíquotas diferenciadas de tributos em função da essencialidade de produtos e processos produtivos) e a progressividade (paga mais quem ganha mais) são atributos do sistema tributário brasileiro que carecem de uma releitura a partir das novas demandas socioambientais e do dispositivo constitucional acima referido. Os referenciais da sustentabilidade como o princípio do poluidor-pagador e da essencialidade socioambiental devem permear o conceito de justiça fiscal e tributária.
A política tributária de um país com as vantagens naturais que o Brasil possui (mais de 55% de cobertura vegetal nativa remanescente; mais de 25% das florestas tropicais, de 30% da biodiversidade e 15% da água doce do planeta) deve se tornar efetivamente indutora de uma nova ordem econômica sustentável. Os tributos, seus descontos, desonerações e compensações devem ser instrumentos de promoção da justiça social com responsabilidade socioambiental.
A reforma necessária que promoverá mais justiça tributária, ou seja, que reduzirá a carga de tributos que recai sobre os cidadãos que têm e ganham menos, deverá também desonerar as atividades econômicas que consomem menos recursos naturais e emitem menos poluentes em face das que mais oneram o ambiente. Justiça tributária só será justa se for sustentável.
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