O Estado de S.Paulo - 10/01
O governo do PT não tem conseguido, por deficiência técnica ou administrativa, retirar do papel boa parte dos projetos de investimentos que anuncia. Quando o consegue, não tem sido capaz de quitar integralmente, no exercício fiscal devido, os valores que reservou para o pagamento de material ou de serviços que havia contratado. Com isso, vem transferindo para exercícios seguintes um volume crescente de recursos já empenhados - isto é, que devem ser desembolsados -, mas que não foram pagos. De 2013 para 2014, os restos a pagar, como são chamados esses valores, alcançaram o recorde de R$ 218,4 bilhões, de acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional.
Essa prática, que se intensificou ao longo dos governos petistas, distorce a execução do Orçamento anual, gerando uma espécie de orçamento paralelo. Mas ela é particularmente ruim para os cidadãos em geral, pois eles não podem utilizar obras e serviços que não foram concluídos; e, como contribuintes, são obrigados a arcar com os custos adicionais resultantes do atraso do pagamento. No setor público, obra ou pagamento atrasados costumam resultar em aditamentos dos contratos, o que normalmente implica o reajuste dos valores contratados. Resguardam-se, assim, os interesses dos fornecedores, à custa do dinheiro dos contribuintes.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, os restos a pagar herdados do governo anterior somaram R$ 57,5 bilhões, em valores corrigidos pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas, o mesmo indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. Isso quer dizer que, nos 11 anos da gestão petista, essa conta cresceu 280% em valores reais. O valor das despesas empenhadas e não quitadas em 2013 que foi transferido para 2014 é R$ 42,2 bilhões maior do que os restos a pagar que passaram de 2012 para 2013.
Parte dos restos a pagar que ficaram para este ano poderá ainda ser cancelada. O total inclui tanto os compromissos processados (R$ 33,6 bilhões), isto é, referentes a bens ou serviços para os quais os credores apresentaram todos os documentos comprobatórios da entrega dos itens contratados e de seu direito sobre os valores devidos, como os não processados (R$ 184.8 bilhões), para os quais foi feito o empenho, embora sem o reconhecimento pelo governo da entrega do serviço ou bem, o que pode resultar no seu cancelamento ao longo deste ano.
Como não fazem parte das dotações orçamentárias originais para 2014, os restos a pagar podem ser manipulados com maior facilidade pelo governo. O dinheiro é tanto que pode sustentar mais da metade dos investimentos que o governo Dilma conseguir realizar ao longo deste ano eleitoral.
No ano passado, dos investimentos feitos pela União, R$ 30,4 bilhões foram sustentados por restos a pagar, enquanto dos recursos orçamentários de 2013 foram utilizados R$ 16,9 bilhões. Isso ocorreu também com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que utilizaram R$ 19,6 bilhões do orçamento anual e R$ 25,1 bilhões de restos a pagar. Se não houver cortes nos restos a pagar de 2014, o PAC poderá receber dessa conta cerca de R$ 65 bilhões, mais do que o total orçado para esse programa no ano passado.
A regra inicial dos restos a pagar, editada em 1986, previa que os valores não quitados no exercício seguinte ao de sua inscrição perderiam sua vigência. Desde 2002, no entanto, esse prazo vem sendo estendido. Um decreto de 2008 restringiu a perda de vigência de restos a pagar não processados. Mesmo depois disso, novos decretos foram prorrogando a vigência dos restos a pagar. Assim, os valores transferidos para 2014 podem se referir a empenhos feitos bem antes de 2013.
Esses números e as sucessivas extensões dos prazos de validade dos restos a pagar mostram que, em vez de refletir as prioridades definidas no orçamento anual discutido e aprovado pelo Congresso, os investimentos do governo federal estão concentrados em obras previstas em programas anteriores. É como se o governo investisse olhando para trás.
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