Não há como dourar a pílula: a política anti-inflacionária brasileira tem sido um coleção de fracassos. O país tem hoje um dos maiores índices de inflação do planeta, menor apenas que o de economias com enorme grau de desorganização e isolamento, como Venezuela e Argentina, e equivalente à de emergentes, como Turquia e Índia, que, a exemplo do Brasil, usaram a desculpa da crise de 2008 para fazer experimentos heterodoxos que resultaram em malogro (combinação de baixo crescimento, carestia e déficit externo crescente).
No ano passado, a inflação de preços livres foi a maior desde 2003. Nos últimos 18 anos, esses preços só subiram mais do que em 2013 em três ocasiões: em 1996, quando o país começava a se livrar da hiperinflação; em 2002, quando enfrentou grave crise de confiança que provocou fuga de capitais e desvalorização descontrolada do real; e em maio de 2003, quando o IPCA em 12 meses superou 17%, ainda um reflexo da turbulência do ano anterior (ver gráfico).
A situação é preocupante porque é sobre os preços livres que a política monetária atua. Sobre os preços administrados ou monitorados, o Banco Central (BC) não tem o que fazer. Isso significa que a política de juros, mesmo tendo mais do que dobrado o juro real desde abril, não tem sido suficiente para conter os preços livres.
A inflação brasileira não está em torno de 6%, como mostrou o IPCA de 2013 (5,91%). Na verdade, ela gira neste momento entre 7% e 8%. A razão é simples: o governo, numa decisão que mostra o retrocesso da política econômica aos tempos em que lidava com inflação crônica, lançou mão de vários subterfúgios para impedir a correção de tarifas públicas.
No último ano, os preços administrados tiveram a menor variação - apenas 1,5% - desde 1992. A rigor, na série histórica apurada pelo Banco Central com base em dados do IBGE, não houve ano em que esses preços tenham registrado inflação inferior a 1,5%. Como vários especialistas alertaram, o refresco de curtíssimo prazo dado pelo congelamento de alguns preços administrados não mudou a inflação tendencial.
Há outras razões com que se preocupar. Quando se observa o núcleo da inflação com exclusão de alimentação no domicílio e preços administrados, a inflação de 2013 foi a 7,21%, índice bem superior à meta de 4,5% e ao limite máximo do intervalo de tolerância do regime (6,5%).
Preocupa, também, o fato de que, no ano passado, ao contrário do que ocorreu em 2010 e 2012, por exemplo, não houve choques de oferta de produtos agrícolas ou de commodities. Na prática, o único choque ocorrido foi positivo, do ponto de vista da inflação - a repressão das tarifas públicas.
A persistência da inflação real em torno de 7% a 8% faz com que os formadores de preços internalizem esse patamar, aumentando a inércia e piorando as expectativas dos agentes econômicos, o que contribui para diminuir a eficácia da política monetária.
Para quem acha a inflação atual baixa, alguns números devem ser lembrados: de 2008 a 2013, quando os governos Lula e Dilma passaram a considerar aceitável um IPCA de 6%, a inflação acumulada somou 39,67%. Isto é especialmente nefasto para a população de baixa renda e os que vivem dos programas de transferência de renda, uma vez que não têm como se proteger da forte perda do poder de compra da moeda nacional.
O drama continuará em 2014 porque, além da inércia, o próprio BC está prevendo alta dos preços administrados bem maior que a deste ano - quase o triplo. Como a inflação nos níveis atuais mostra que a taxa de juros (Selic) - hoje em 10%, a maior dentre as principais economias - é insuficiente, em tese o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria continuar apertando as condições monetárias, algo de que se duvida hoje por causa do ano eleitoral.
Outro problema é que o IPCA nos níveis atuais retira competitividade da economia. A taxa de câmbio real se aprecia notadamente porque a inflação no mundo está muito baixa - média de 3,7% em 2013. Mesmo tendo sofrido forte desvalorização nominal nos últimos dois anos, o real segue sem gerar competitividade para empresas brasileiras. O crescente déficit em conta corrente, a mudança da política monetária americana e o diferencial de inflação parecem requerer mais câmbio para que o país ajuste as contas externas. O efeito disso será mais inflação.
O país perdeu, nos últimos três anos, vários graus de liberdade duramente conquistados desde a implantação do tripé macroeconômico (disciplina fiscal, câmbio flutuante e metas para inflação). O Brasil só conseguiu ficar de pé no estouro da crise de 2008, a mais grave desde a Grande Depressão de 1929, graças a essa liberdade, agora muito mais restrita.
O governo se mostra satisfeito com a inflação em 6% porque, no fundo, não abre mão de ter uma política fiscal expansionista, uma das razões da dificuldade de se reduzir a demanda agregada.
O Copom se reúne hoje em meio a um dos momentos de maior ambiguidade de sua história. Até a divulgação do IPCA de 2013, o sinal era o de que reduziria o ritmo de alta dos juros, à espera de novos dados econômicos. A dúvida é se, ao afirmar na sexta-feira que o índice mostrou "resistência ligeiramente acima daquela que se antecipava", o presidente do BC, Alexandre Tombini, sinalizou mudança de estratégia. Provavelmente, não.
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