O Estado de S.Paulo - 28/01
Brasil e Argentina são tão diferentes quanto o dia e a noite e os mercados conhecem as diferenças, disse em Davos o professor e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Kenneth Rogoff. A comparação torna-se inevitável quando a segunda maior economia da América do Sul e principal parceira do Brasil na região entra de novo em turbulência. Com inflação próxima de 30%, reservas cambiais perigosamente baixas, indústria estagnada, problemas até de abastecimento e - mais importante - governo sem a mínima credibilidade, a Argentina é candidata natural ao desastre quando surge qualquer inquietação mais ou menos séria no mercado. Os vizinhos e parceiros mais próximos estarão em condições igualmente ruins?
Apesar da opinião de Rogoff, a indagação parece natural, quando se fala em risco de rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil, principal parceiro comercial da Argentina e notório - pela ação do governo - aliado ideológico. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe têm procurado mostrar afinidade com os governos argentino e venezuelano e pouco interesse em maior aproximação com países mais estáveis, mais prósperos e mais abertos, como Chile, Peru e Colômbia. Se houver uma aproximação perigosa das imagens do Brasil e da Argentina, os responsáveis serão encontrados no Palácio do Planalto.
Rogoff tem razão, no entanto, quanto a várias importantes diferenças. Com reservas de US$ 375,54 bilhões, dado oficial de quinta-feira, o País tem como resistir por bom tempo a especulações de mercado. A inflação, próxima de 6%, é muito alta pelos padrões internacionais, mas muito menor que a argentina, próxima de 30%. A dívida pública, embora muito mais alta que a de outros emergentes, é financiada sem dificuldades especiais, porque o acesso aos mercados é amplo - o oposto da situação argentina.
Além disso, o sistema público de estatísticas continua funcionando tecnicamente, sem distorções impostas pelo Executivo. A imprensa consegue exercer as funções de vigilância e informação. As tentativas de maquiar resultados fiscais e administrar índices de inflação por meio do controle de preços têm sido denunciadas com rapidez. As estatísticas oficiais brasileiras são recebidas com respeito pelos mercados e pelas instituições internacionais, ao contrário das argentinas.
Os dois países são, de fato, diferentes como o dia e a noite, quando se consideram esses detalhes. Se o mercado conhecer essas distinções, o Brasil será menos atingido, no caso de turbulências motivadas pela redução dos estímulos monetários americanos, pela perda de impulso dos emergentes ou pela combinação desses fatores. Os investidores, disse em Davos a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, saberão distinguir os fundamentos econômicos e as qualidades da política de cada país. Somada ao comentário de Rogoff, a afirmação parece tranquilizante. A presidente Dilma Rousseff procurou reforçar a percepção positiva ao afirmar, no Fórum Econômico Mundial, um compromisso contra a inflação e a favor da melhora das condições fiscais do País.
Mas o compromisso com os bons fundamentos já havia sido afirmado muitas vezes. Apesar disso, a inflação continua longe de 4,5% e a presidente parece contentar-se com números bem mais altos, embora dentro da margem de tolerância (até 6,5%). Além disso, o Executivo tem administrado os índices pelo controle de preços. Ninguém desconhece esse fato. Do lado fiscal, o uso de receitas atípicas e de manobras contábeis tornou-se quase rotineiro. Tudo isso diminui perigosamente o contraste entre o dia e a noite.
Em Davos, dificilmente alguém criticaria de forma aberta a fala da presidente. Mas o governo ganharia credibilidade se o discurso fosse mais claro quanto a objetivos, problemas e linhas de ação. Um bom exemplo foi o do vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, o respeitado economista Montek Singh Ahluwalia: o menor dinamismo de seu país se deve em parte a fatores externos, mas dois terços dos problemas são internos e o governo os reconhece. Essa conversa todos aceitam mais facilmente.
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