O GLOBO - 28/01
A situação requereria uma política de choque, com juros elevados, corte de gastos e flutuação do peso. Mas Cristina prefere denunciar a ação de “especuladores”
Uma das dez maiores economias do mundo no início do século passado, com uma renda per capita equiparável às da França e Alemanha, superior às do Japão e Itália, a Argentina intriga historiadores pelo ineditismo de ter sido um país desenvolvido que retrocedeu.
É certo que não haverá uma explicação única para a tragédia, só possível de ser analisada com o uso de conceitos multidisciplinares, da economia, da ciência política, da antropologia.
Pois, no espaço de 13 anos, o país mergulha em mais uma crise cambial, devido a uma sucessão de erros até óbvios cometidos na política econômica deste período, cuja maior parte é dominada pelo kirchnerismo, a vertente peronista hegemônica até o programa populista do casal Néstor e Cristina começar a perder força, em função mesmo da crise que os dois semearam. Néstor, sucessor de Eduardo Duhalde, sobre o qual desabou a responsabilidade de começar a recuperar o país depois de outra tragédia, a explosão do câmbio fixo, em dezembro de 2001, enveredou pelo populismo, abraçado com entusiasmo pela mulher, sua sucessora, a senadora Cristina Kirchner.
Com o país alijado do mercado financeiro mundial, devido à impossibilidade de chegar a um acordo com todos os credores atingidos pelo calote dado devido ao fim do engessamento cambial, o casal Kirchner partiu para conhecidas heterodoxias. Câmbio desvalorizado, juros baixos, gastos públicos nas alturas — uma das maneiras mais eficazes de se fazer explodir a inflação. E quando ela acelerou os preços, o governo de Cristina passou a praticar uma “contabilidade criativa", mas sem as sutilezas com que ela é aplicada no Brasil nas contas públicas. Interveio no cálculo do índice oficial, tabelou-o em 10%, mesmo que hoje a taxa efetiva esteja próxima dos 30%. Com um governo desinteressado em dar segurança aos investidores, a economia com perda crescente de competitividade, também em função da inflação, a fuga em direção ao dólar ganhou velocidade — até porque o argentino nunca confiou plenamente no peso.
O resultado aí está: as reservas, hoje em US$ 29 bilhões, caíram mais de 40% em relação a 2011, o dólar no mercado paralelo (“blue”) está em mais de 12 pesos, enquanto a taxa oficial é de 8 pesos, mesmo assim depois de uma desvalorização de mais de 10% num único dia, quinta passada. A situação é típica: requereria um choque fiscal e monetário, corte de gastos, juros nas alturas e flutuação livre do peso. Como fez o Brasil em 1999, com êxito. E em 2003, idem. Mas é muito “neoliberalismo” para Cristina e seu jovem ministro Axel Kicillof, um peronista de esquerda. Eles preferem denunciar a ação de “especuladores”. Tanto pior para a Argentina.
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