Em 2013, o Brasil elevou importações com origem... no Brasil
O Brasil, em 2013, aumentou em mais de 90% suas importações originadas... do Brasil. Está lá, nas estatísticas de comércio exterior, que apontam o Brasil como o 62º fornecedor dos importadores brasileiros, pouco abaixo de Angola e África do Sul.
São US$ 705 milhões em produtos, importados só pelos critérios da estatística. São, em grande parte, mercadorias brasileiras enviadas ao exterior em consignação e não vendidas, ou devolvidas pelos compradores, que voltam ao país como "importações", sujeitas a tributos. Por erros de preenchimento de guias, há também registro de quase US$ 8 milhões em exportações brasileiras para... o Brasil.
Considerando importações totais de US$ 239,6 bilhões, o dado bizarro de importação "brasileira" representa muito pouco, menos de 0,3%. No caso das exportações, então, é insignificante. Não sustenta acusações de "contabilidade criativa", e, como outras excentricidades estatísticas, não deveria manchar a imagem do sistema de registro e divulgação do comércio exterior brasileiro, com informações públicas semanais, uma rapidez sem igual no mundo, de confiabilidade unânime entre os especialistas.
A aparição do Brasil como exportador para si mesmo mostra, porém, que sempre há margem para erros e correções. O ano de 2013 chamou atenção para isso.
No ano passado, se houve um registro mal explicado foi o das importações de petróleo: mudanças do registro na Receita Federal levaram a um injustificado acúmulo de operações realizadas em 2012 e só contabilizadas no ano seguinte. As importações oficiais de 2013 foram infladas por esses números, assim como as de 2012 foram menores do que a realidade.
É pouco para comparar a adulterações estatísticas como as que ocorrem com os índices de inflação na vizinha Argentina, embora não possa passar em branco. O ministério não escondeu que havia o atraso no registro e que isso reduzia o valor oficial das importações no ano, mas não explicou por que a Receita Federal demorou tanto para regularizar as informações fornecidas em tempo hábil pela Petrobras e repassadas à Secretaria de Comércio Exterior. Oficiosamente, técnicos atribuíram os problemas a confusões entre funcionários da Receita. Faltou transparência.
Agora, no terreno das desconfianças sobre os relatos oficiais, as plataformas de petróleo ajudam, com suas dimensões colossais, a turvar o ambiente. Para garantir isenção de impostos e outros benefícios do programa de apoio ao setor, o Repetro, as plataformas construídas no Brasil são "compradas" por subsidiárias ou matrizes das petroleiras no exterior e arrendadas ao operador nacional, o que leva o governo a contabilizá-las como exportações.
Nunca essa prática, aceitável tecnicamente, havia mexido substancialmente com as estatísticas. Até este ano, quando, no embalo do pré-sal, sete plataformas e navios-plataforma foram "exportados", gerando US$ 7,7 bilhões que garantiram o superávit nas contas de comércio.
Diferentemente do que houve no atraso dos registros de importação de combustíveis, as plataformas seguiram os cronogramas normais de registro, e não deixaram nenhum detalhe técnico a ser esclarecido - quando muito, houve exagero do governo ao comemorar as maiores exportações de bens manufaturados, sem alertar para o peso-pesado das plataformas nesse aumento.
A chamada exportação "ficta" de plataformas não é o único dado que contraria o senso comum para legitimamente atender às conveniências de contabilidade. O debate levantado por elas não justifica acusações apressadas de manipulação de dados. Autoriza, porém, propostas de mudança.
No próprio ministério, o chefe da assessoria econômica, Leonardo Pontes Guerra, propôs, em artigo para o Valor, a discussão do modelo usado para incluir as plataformas nas estatísticas. Afinal, a Petrobras, sozinha, informa que iniciará a operação de 18 plataformas entre 2014 e 2017, três delas só neste ano. Entre 2014 e 2020 serão 31 novas plataformas ou navios-plataforma. Haja exportação.
Pontes Guerra chama atenção para outros efeitos dessas plataformas nas estatísticas, como o valor dos "aluguéis" pagos por elas, que deverá deprimir as contas externas aumentando o déficit no setor de serviços. A influência dessas exportações "fictas" atrapalhará a análise das contas de comércio daqui por diante, e não só no saldo comercial, como se vê nos dados de 2013.
No ano passado, oficialmente, o país melhorou, e muito, o desempenho de suas vendas aos países da América Latina e Caribe de fora do Mercosul. Mas as exportações caíram para Colômbia, Chile, Peru e todos os principais mercados da região, exceto México. Como então explicar o aumento de 6% nas exportação para o grupo latino-americano, que o levou a representar 10% do mercado externo brasileiro, quase tanto quanto os EUA?
Sim, foram principalmente as plataformas, que se tornaram o principal item de "exportação" do Brasil ao Panamá e ao México. Foram US$ 2,8 bilhões para subsidiárias panamenhas de petroleiras que atuam no Brasil. Ao México, foram US$ 624 milhões, mais que o dobro do aumento registrado no total de exportações brasileiras ao mercado mexicano, para onde caíram as vendas de automóveis de passeio e motores para veículos (até então os principais item de exportação). Quem comemorava a pujança do mercado latino para as exportações brasileiras, tome cuidado para não derramar óleo em sua champanhe.
É do interesse do governo evitar mal-entendidos sobre o comércio exterior, em um ano no qual as contas externas prometem emoções fortes. Um sinal de boa vontade e transparência seria avançar com o debate sobre como abrigar as particularidades do setor de petróleo nas contas nacionais, sem exageros nem artificialismos.
São US$ 705 milhões em produtos, importados só pelos critérios da estatística. São, em grande parte, mercadorias brasileiras enviadas ao exterior em consignação e não vendidas, ou devolvidas pelos compradores, que voltam ao país como "importações", sujeitas a tributos. Por erros de preenchimento de guias, há também registro de quase US$ 8 milhões em exportações brasileiras para... o Brasil.
Considerando importações totais de US$ 239,6 bilhões, o dado bizarro de importação "brasileira" representa muito pouco, menos de 0,3%. No caso das exportações, então, é insignificante. Não sustenta acusações de "contabilidade criativa", e, como outras excentricidades estatísticas, não deveria manchar a imagem do sistema de registro e divulgação do comércio exterior brasileiro, com informações públicas semanais, uma rapidez sem igual no mundo, de confiabilidade unânime entre os especialistas.
A aparição do Brasil como exportador para si mesmo mostra, porém, que sempre há margem para erros e correções. O ano de 2013 chamou atenção para isso.
No ano passado, se houve um registro mal explicado foi o das importações de petróleo: mudanças do registro na Receita Federal levaram a um injustificado acúmulo de operações realizadas em 2012 e só contabilizadas no ano seguinte. As importações oficiais de 2013 foram infladas por esses números, assim como as de 2012 foram menores do que a realidade.
É pouco para comparar a adulterações estatísticas como as que ocorrem com os índices de inflação na vizinha Argentina, embora não possa passar em branco. O ministério não escondeu que havia o atraso no registro e que isso reduzia o valor oficial das importações no ano, mas não explicou por que a Receita Federal demorou tanto para regularizar as informações fornecidas em tempo hábil pela Petrobras e repassadas à Secretaria de Comércio Exterior. Oficiosamente, técnicos atribuíram os problemas a confusões entre funcionários da Receita. Faltou transparência.
Agora, no terreno das desconfianças sobre os relatos oficiais, as plataformas de petróleo ajudam, com suas dimensões colossais, a turvar o ambiente. Para garantir isenção de impostos e outros benefícios do programa de apoio ao setor, o Repetro, as plataformas construídas no Brasil são "compradas" por subsidiárias ou matrizes das petroleiras no exterior e arrendadas ao operador nacional, o que leva o governo a contabilizá-las como exportações.
Nunca essa prática, aceitável tecnicamente, havia mexido substancialmente com as estatísticas. Até este ano, quando, no embalo do pré-sal, sete plataformas e navios-plataforma foram "exportados", gerando US$ 7,7 bilhões que garantiram o superávit nas contas de comércio.
Diferentemente do que houve no atraso dos registros de importação de combustíveis, as plataformas seguiram os cronogramas normais de registro, e não deixaram nenhum detalhe técnico a ser esclarecido - quando muito, houve exagero do governo ao comemorar as maiores exportações de bens manufaturados, sem alertar para o peso-pesado das plataformas nesse aumento.
A chamada exportação "ficta" de plataformas não é o único dado que contraria o senso comum para legitimamente atender às conveniências de contabilidade. O debate levantado por elas não justifica acusações apressadas de manipulação de dados. Autoriza, porém, propostas de mudança.
No próprio ministério, o chefe da assessoria econômica, Leonardo Pontes Guerra, propôs, em artigo para o Valor, a discussão do modelo usado para incluir as plataformas nas estatísticas. Afinal, a Petrobras, sozinha, informa que iniciará a operação de 18 plataformas entre 2014 e 2017, três delas só neste ano. Entre 2014 e 2020 serão 31 novas plataformas ou navios-plataforma. Haja exportação.
Pontes Guerra chama atenção para outros efeitos dessas plataformas nas estatísticas, como o valor dos "aluguéis" pagos por elas, que deverá deprimir as contas externas aumentando o déficit no setor de serviços. A influência dessas exportações "fictas" atrapalhará a análise das contas de comércio daqui por diante, e não só no saldo comercial, como se vê nos dados de 2013.
No ano passado, oficialmente, o país melhorou, e muito, o desempenho de suas vendas aos países da América Latina e Caribe de fora do Mercosul. Mas as exportações caíram para Colômbia, Chile, Peru e todos os principais mercados da região, exceto México. Como então explicar o aumento de 6% nas exportação para o grupo latino-americano, que o levou a representar 10% do mercado externo brasileiro, quase tanto quanto os EUA?
Sim, foram principalmente as plataformas, que se tornaram o principal item de "exportação" do Brasil ao Panamá e ao México. Foram US$ 2,8 bilhões para subsidiárias panamenhas de petroleiras que atuam no Brasil. Ao México, foram US$ 624 milhões, mais que o dobro do aumento registrado no total de exportações brasileiras ao mercado mexicano, para onde caíram as vendas de automóveis de passeio e motores para veículos (até então os principais item de exportação). Quem comemorava a pujança do mercado latino para as exportações brasileiras, tome cuidado para não derramar óleo em sua champanhe.
É do interesse do governo evitar mal-entendidos sobre o comércio exterior, em um ano no qual as contas externas prometem emoções fortes. Um sinal de boa vontade e transparência seria avançar com o debate sobre como abrigar as particularidades do setor de petróleo nas contas nacionais, sem exageros nem artificialismos.
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