FOLHA DE SP - 27/01
Maior desvalorização do peso desde 2002 é reflexo dos desequilíbrios que se acumularam no país vizinho ao longo dos últimos anos
A forte desvalorização do peso é um sintoma de que o modelo econômico e político vigente na Argentina faz 12 anos está próximo do esgotamento.
O país vizinho padece de escassez crescente de moeda forte, de dólares. Está desconectado do mercado financeiro internacional desde os calotes da dívida pública de 2001-2002. Não dispõe, portanto, de financiamento externo.
As intervenções do governo, tais como desapropriações, confiscos financeiros disfarçados, tabelamento de preços e controles no comércio exterior, afastam investimentos. O país conta apenas com o comércio exterior para obter divisas e pagar importações.
Tal fonte tem secado, no entanto. O baixo crescimento mundial desde 2008 limitou o preço e a quantidade de exportações. As intervenções do governo limitam a capacidade de produção. A inflação crescente e alta encarece os produtos argentinos, o que abala o saldo do comércio exterior.
Desde o final de 2010, as reservas argentinas em moeda forte baixaram em 43%. A fim de evitar redução crítica das reservas, o governo intensificou restrições ao comércio e aos negócios com dólares.
Tais medidas e a inflação, que afasta os argentinos do peso, criam uma demanda nervosa por dólares, o que por vezes suscita pânicos.
Na base dos problemas está a inflação, por sua vez alimentada por políticas econômicas entre extravagantes e insustentáveis. Desde 2009, o governo tem deficit. Gasta demais com salários, benefícios sociais e subsídios ao preço de energia e transportes públicos.
Embora aparentemente ainda pequenos, tais deficit são financiados de modo inflacionário e, além do mais, sustentam um crescimento econômico ora acima das possibilidades argentinas. O Banco Central financia o governo, além de ter o exótico papel de um banco de desenvolvimento.
O gasto excessivo produz inflação, que torna a Argentina pouco competitiva, o que leva à escassez de dólares, evidente na febre da desvalorização --que, em si mesma, seria um dos corretivos do problema. O peso não estava tão valorizado desde 2002.
Porém, de nada adianta uma desvalorização, que barateia a produção argentina, se a inflação continua a subir e a apagar tais ganhos de competitividade. Parece incontornável o controle do gasto público e o aumento da taxa de juros.
Seria, enfim, uma política temporariamente recessiva, de contenção de salários e gastos sociais --o que evidentemente colocaria em cheque o pacto que mantém o peronismo do casal Kirchner no poder desde 2003.
A Argentina teve grande sucesso na superação da crise de 2001-2002. Não teve a capacidade de ver que eram necessários ajustes, pelo menos desde 2009. Os malabarismos da política econômica agora não dão mais conta de evitar os enormes desequilíbrios que se acumularam desde então.
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