O Estado de S.Paulo - 23/01
O noticiário político dos últimos dias dá conta da encrenca cada vez maior em que o apetite insaciável da "base aliada" enreda um governo que, teoricamente, disporia de um número muito maior do que o necessário de senadores e deputados para apoiar suas iniciativas no Congresso Nacional. Cada vez mais pressionada pela circunstância de ser este um ano eleitoral e pelo fato de o lulopetismo entender que sua condição de dono exclusivo da verdade e da virtude justifica qualquer meio para se manter no poder, Dilma Rousseff vai fazer o que seu chefe e sua turma acham que deve ser feito: escancarar as portas da administração pública - via reforma ministerial - para "aliados" que, em contrapartida, garantirão à candidata à reeleição, ou seja, ao PT no poder, cerca de metade do tempo no horário da propaganda eleitoral dita gratuita no pleito de outubro. Nada a ver com fidelidade parlamentar ao governo. Esta é apenas moeda de troca. Trata-se do mais puro, simples e descarado toma lá dá cá.
A necessidade de conquistar aliados para garantir apoio à execução de um programa de governo é inerente ao sistema democrático. O chamado presidencialismo de coalizão, contudo, desvirtua o fundamento democrático da decisão majoritária transformando-o em mero instrumento para os governantes de turno sustentarem seu projeto de poder. Não se trata, é claro, de uma invenção dos petistas. Esse presidencialismo de coalizão, feito sob medida para garantir o patrimonialismo que historicamente promove a promiscuidade entre o público e o privado, não é nem mesmo um modelo exclusivamente brasileiro.
O PT de Lula apenas aperfeiçoou o modelo para proveito próprio. Depois de passar 20 anos invectivando contra "tudo isso que está aí" e prometendo reformar da cabeça aos pés o sistema político brasileiro para acabar com as injustiças sociais que ele provoca, o metalúrgico de Garanhuns chegou finalmente ao poder e aderiu sem nenhum constrangimento ao que "está aí". E é inegável que obrou politicamente com competência, garantindo pelo menos mais duas eleições presidenciais, sendo a última a de um autêntico "poste".
Mudar a política, então, para quê? Parte do PT e sempre que necessário o próprio Lula continuam falando sobre a óbvia necessidade de reformas, especialmente aquelas que de algum modo ajudem a consolidar sua hegemonia no cenário político. Mas quase tudo o que mudou na política brasileira na última década foi para pior, como bem demonstrou a insatisfação difusa da juventude brasileira que saiu em massa às ruas no ano passado para protestar, em última análise, "contra tudo isso que está aí".
A resposta de Dilma Rousseff à insatisfação crescente na sociedade brasileira contra os políticos em geral e a ineficiência do poder público em particular é inflar o governo. Depois de ter chegado a inéditos 39 Ministérios que fazem a festa da companheirada, agora vai bater novo recorde, aumentando para 10 o número de legendas partidárias no primeiro escalão - uma a mais do que no governo de seu antecessor.
Não é uma engenharia política fácil. Tem tudo a ver com a metáfora do ter que quebrar os ovos para fazer uma omelete. Mas Dilma não tem o direito de se queixar, porque essa é a regra do jogo com o qual está comprometida. Não pode nem mesmo reclamar da "infidelidade" de seus "aliados" no Parlamento, porque sabe muito bem que parcerias construídas sobre os alicerces frágeis e cediços do fisiologismo rompem-se facilmente ao sabor dos ventos das vantagens pessoais e das marés dos interesses eleitorais.
Não há que falar, portanto, em crise na "base aliada" por causa das dificuldades de Dilma Rousseff diante da chantagem pré-eleitoral dos "companheiros", inclusive do próprio PT. Essa é apenas a lógica do toma lá dá cá que Lula se recusou a combater (ao contrário, preferiu estimular em benefício próprio) quando, no auge do poder, tinha tudo nas mãos para fazê-lo.
Se agora o governo melhora ou piora? Essa preocupação nem passa pela cabeça da tigrada.
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