VALOR ECONÔMICO - 11/12
Retomo hoje os temas da demografia. Os leitores que acompanham esta série de artigos que tenho escrito ao longo de 2013 sobre temas demográficos sabem que neste espaço tratei da natureza difusa do envelhecimento; da pirâmide etária do país; das revisões da projeção populacional feitas pelo IBGE; do Censo de 2010; da questão de gênero; das características diferenciadas por faixas etárias específicas; da relação com a produtividade; da trajetória da População Economicamente Ativa (PEA); e do encolhimento do número absoluto de crianças, adolescentes e jovens. O tema que gostaria de tratar com os leitores hoje é o que poderíamos denominar de quarta idade ou, seja, o grupo composto pelos super-idosos de 80 anos ou mais de idade, para diferenciar da faixa de pessoas tradicionalmente definidas como idosas , de 60 anos ou mais (definição que talvez esteja na hora de mudar, à luz da maior longevidade da população). Os números que acompanham este artigo praticamente falam por si.
Uma das características da ação do tempo é que ele muda não apenas o próprio corpo, mas também o modo como cada um avalia o mundo. Quando éramos crianças, pessoas de 40 ou 80 anos de idade pertenciam à mesma categoria: algo até certo ponto inconcebível para um indivíduo com poucos anos de idade, a quem é difícil entender que aquelas pessoas são a gente amanhã . Com o passar dos anos e o lento ingressar do corpo e da mente nesses mares nunca dantes por eles navegados, a percepção vai se modificando.
O país deveria pensar nessa perspectiva. Quando se transita pelas ruas de Montevidéu, dá para entender por que o Uruguai tem um gasto com Previdência Social muito elevado: há muitos idosos naquela cidade - e, particularmente, muitos idosos de fato muito idosos, com mais de 85 ou 90 anos, cena ainda relativamente rara nas cidades brasileiras. O Brasil já tem uma despesa previdenciária elevada, e (ainda) somos um país jovem (embora cada vez menos). A uruguaização da nossa população, porém, é inexorável. É apenas uma questão de tempo: um dia chegaremos lá.
Tenho, nos últimos 20 anos (meu primeiro artigo sobre questões previdenciárias é de final de 1992) procurado alertar, mediante livros, artigos técnicos ou jornalísticos, acerca das questões que venho abordando neste espaço ao longo dos últimos meses. Se em 2010 tínhamos menos de 3 milhões de pessoas com 80 anos ou mais, e em 2060 teremos mais de 19 milhões de pessoas nessa faixa etária, creio que será inexorável se aposentar mais tarde.
Essa é uma questão à qual o brasileiro comum tem dificuldades de se adaptar. Sei disso por experiência própria, pela quantidade de vezes - confesso que já perdi a conta - em que fui, literalmente, xingado pelos meus artigos. O cidadão comum tende a fazer o seguinte raciocínio: se trabalhei os 35 anos que a Lei exige, tenho direito a aposentadoria integral . O problema é que é muito diferente trabalhar 35 anos e viver mais 20 e trabalhar o mesmo tempo e viver mais 30 anos. O primeiro caso é uma situação administrável para o país, mas o segundo pode deixar de sê-lo. Tenho repetido como um mantra há duas décadas uma noção que me parece chave para entender estas questões: os problemas previdenciários não podem jamais ser encarados como uma simples questão matemática, mas eles são também uma questão matemática!
Os números expostos levantam outra questão, associada ao mercado de trabalho. Muitos anos atrás, num evento cheio de jovens, o palestrante, perguntado sobre que profissões iriam se expandir mais no futuro, saiu-se com esta: Vocês acham que vou falar de informática, nanotecnologia ou engenharia de petróleo, mas sinto decepcioná-los: a profissão que mais vai crescer no mundo nos próximos 40 anos vai ser a de enfermeiro de idosos . Na época, com meus escassos 30 anos, não atentei para a dimensão do tema, mas hoje, tendo acompanhado dramas de família, comuns a quem tem 50, e viu in loco os problemas associados a quem chega aos 90 anos em condições precárias de saúde, consigo perceber quão perspicaz era a frase.
Nos meus debates sobre previdência, mais de uma vez algum participante notou que a geriatria era um ramo moderno da medicina, pelo fato de que no passado as pessoas morriam cedo. O fato é que teremos, cada vez mais, que lidar com problemas de saúde pública ligados a questões típicas da quarta idade , como quedas ou longas internações. Que, com tantas pressões orçamentárias pela frente, continuemos permitindo a aposentadoria de pessoas aos 52 ou 53 anos, fala bem da irresponsabilidade coletiva em que o Brasil está incorrendo. Espero que um dia o país acorde para a importância do tema.
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