O governo brasileiro acredita que a redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos pode começar já na próxima semana. Se não ocorrer agora, o tapering (a redução gradual dos estímulos) virá até o fim do primeiro trimestre de 2014. O tapering é igual ao Carnaval: de março não passa , brinca uma autoridade.
Como o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, deixou claro ontem em depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o governo torce para que o processo comece logo. O corte dos estímulos monetários terá efeitos no curto prazo em variáveis como taxa de câmbio e juros, mas fechará um capítulo e abrirá outro na economia mundial, reduzindo as incertezas existentes hoje.
É difícil prever o que vai ocorrer quando o Federal Reserve Bank (Fed), o banco central americano, iniciar o tapering , mas economistas oficiais confiam que uma parte importante desse processo já foi precificada pelos mercados. O que não quer dizer que não vá ter um salto nas variáveis em geral. Depois, volta. Na sexta-feira tivemos um gostinho disso , diz uma fonte.
Na última sexta-feira, o governo americano divulgou números parrudos do seu mercado de trabalho - geração de 203 mil empregos em novembro, diante de expectativa de 180 mil, e queda do índice de desemprego de 7,3% para 7%. Os dados alimentaram a esperança de que o Fed começará o tapering na reunião do dia 18. A resposta imediata do mercado foi a valorização do dólar, mas em seguida esse movimento se reverteu.
Acho que foi o começo de um amadurecimento em relação a esse processo de transição de normalização monetária , opina um economista do governo. Para ele, o BC americano já deixou claro que haverá uma boa distância entre o tapering e a elevação da taxa de juros. O importante é que o Fed fez a separação entre redução dos estímulos quantitativos e aumento de juros. Há uma forward guidance (orientação para a frente) bem ancorada.
O Brasil estaria, então, preparado para enfrentar os efeitos da transição monetária dos EUA? O mercado acredita que não. A desconfiança está refletida principalmente nos prêmios de risco pagos por títulos públicos de longo prazo. E diz respeito, principalmente, ao desempenho das contas públicas, em particular à redução do superávit primário e ao aumento da dívida bruta.
Brasília sustenta que é quase eleitoreiro dizer que nada mudou nos últimos meses. Desde abril, o BC elevou a taxa básica de juros em 275 pontos base (de 7,25% para 10% ao ano). A taxa de câmbio voltou a flutuar, apesar do programa adotado no fim de agosto para oferecer hedge (proteção) ao mercado e impedir desvalorização acentuada do real. O governo acha que a situação fiscal também mudou.
Os bancos públicos estão moderando a oferta de crédito e isso é reconhecido, inclusive, por banqueiros privados. Estão sendo dados passos, senão na área fiscal, na quasi-fiscal. Tem havido progresso , sustenta uma fonte. O programa de concessões de infraestrutura, depois do ajuste das regras para atender a demanda dos investidores, está deslanchando.
O negócio está destravando e aumentando a confiança no longo prazo, na modelagem. Todas as mudanças que têm sido feitas são na direção market-friendly (amigáveis ao mercado) , diz um importante auxiliar da presidente Dilma Rousseff.
Esse assessor reconhece que o mercado está sentindo um cheiro de fragilidade . Há uma eleição presidencial no meio do caminho que turva tudo . A oposição aproveita as críticas do mercado para alavancar e o governo se defende toda vez que sai alguma coisa , observa a fonte.
O governo, por sua vez, tem dificuldade de entender a natureza dos movimentos do mercado, que independem de quem está no poder. Um exemplo: na transição do primeiro para o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o mercado forçou a mudança do regime cambial por acreditar que a precária situação fiscal o tornava insustentável.
As piores situações que o Brasil viveu no passado recente foram com Armínio Fraga no BC e Pedro Malan na Fazenda ou com Gustavo Franco no BC e Malan na Fazenda. São pessoas completamente amigáveis ao mercado e sofreram horrores , pondera um técnico do atual governo. Não é ataque especulativo; é defesa especulativa.
O governo questiona o nervosismo por acreditar que as fragilidades percebidas agora não dizem respeito aos fundamentos, ao contrário do que ocorreu em 1998, 1999 e 2002. O país hoje tem reservas cambiais (US$ 375 bilhões), uma máquina que sabe arrecadar bem, pleno emprego, inflação sob controle. O problema está mais naquele negócio da percepção, da criatividade [da contabilidade das contas públicas], que são coisas mais fáceis de resolver , aposta esse economista.
Um interlocutor privilegiado da presidente Dilma assegura que o projeto que mudava de forma retroativa o indexador da dívida dos Estados, se não está enterrado, caminha a passos largos para isso. Ocorre que duas comissões do Senado - a CAE e a de Constituição e Justiça - promovem sessão hoje cedo para votar a proposta, que, se aprovada, abrirá espaço para os entes da federação elevarem o endividamento.
A fonte insiste: O governo tem dado sinais de que não brinca no precipício. O ideal seria não chegar nem perto, mas a reação tem sido totalmente na direção da responsabilidade, da austeridade . E acrescenta, não sem polêmica: a excitação não está no setor produtivo, cujos representantes têm rendido elogios ao governo, mas na área financeira. O nervosismo é da Paulista e da Faria Lima , disse ele, referindo-se às avenidas de São Paulo onde estão as sedes dos principais bancos do país.
Apesar de criticar o nervosismo do mercado, o governo estaria consciente de que 2015 será um ano de ajuste, mas que isso não será comunicado agora. Acha também que o rebaixamento da nota de crédito soberano antes das eleições é possível, embora não seja provável. O momento é perigoso e delicado, não é uma coisa eles contra nós , é a situação [o tapering ], que já aconteceu com gente benquista pelo mercado. É um comportamento defensivo gerando oportunidades , explica o assessor.
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