O Estado de S.Paulo - 29/12
Salta aos olhos a pobreza do debate fiscal no País. A questão fiscal diz respeito ao comportamento das receitas, despesas, resultado (diferença entre receitas e despesas) e dívidas. Neste artigo é tratado apenas um dos aspectos da problemática fiscal, relativo ao resultado.
A maior parte das análises avalia o comportamento fiscal pelo conceito de resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas exclusive as financeiras, como se essas não pesassem no resultado fiscal, ou que devem ser tratadas como reflexo de outras políticas como a monetária praticada pelo Banco Central para controlar a inflação.
Ora, em qualquer lugar do mundo quando se discute a questão fiscal sob o ângulo do resultado, as análises focam o resultado de todas as receitas e todas as despesas, inclusive os juros. Vale observar que em termos internacionais os juros nas contas públicas gira entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB), muito abaixo do nível de 5% no País.
Isso por si só levaria a indagar o porquê dessa prática de ignorar o impacto do componente financeiro nas avaliações ficais da maioria das análises. A resposta parece óbvia: predomina nas análises a visão do mercado financeiro, para o qual não interessa pôr foco nos juros como despesa. E para desviar a atenção colocam o foco em outro lugar. E por que não interessa? Porque é a mais importante fonte de lucro do sistema financeiro, inclusive de parte importante do setor não financeiro nos ganhos originados de aplicações nos títulos do governo federal.
Quando a Selic baixou para seu mínimo histórico de 7,25%, os lucros das grandes empresas, financeiras ou não, foram reduzidos de forma expressiva.
Mas quem paga essa conta dos juros na casa de 5% do PIB? Todos nós que pagamos os tributos ao governo federal, seja no Imposto de Renda, no IPI que eleva o preço dos bens produzidos, no PIS e Cofins das vendas, etc.
Mas por que o governo federal, que é o único devedor dos títulos onerados pela Selic, mantém essa taxa de juro elevada na comparação com outros países? Porque acredita ser a melhor forma de controlar a inflação. E daí acabou a discussão e, toca o governo a tentar produzir elevado superávit primário para pagar parte dos juros que resulta como o produto da dívida (ao nível de 60% do PIB) pela taxa média de juros dos títulos do governo.
Mas o Banco Central (BC) e essas análises costumam culpar a expansão das despesas do governo federal como a causadora da inflação e, assim, o BC deve elevar a Selic para compensar essa expansão. Ocorre que a maior expansão das despesas do governo federal, naquilo que pode ser administrado fiscalmente, é exatamente com os juros. E o responsável principal pela expansão passível de ser administrada é o BC. É semelhante ao caso do ladrão que, após se satisfazer do roubo, sai da casa roubada correndo e gritando: "Pega ladrão!".
Além dessa questão do foco no resultado primário, vale observar que nem sempre o melhor resultado primário leva ao melhor resultado fiscal (ver quadro). Entre 2002 e 2012 o melhor resultado primário foi em 2005 quando chegou a 3,8% do PIB e o pior em 2009 com 2% do PIB. No entanto, apesar do maior resultado primário de 2005, o déficit fiscal daquele ano atingiu 3,6% do PIB ante déficit fiscal menor em 2009 com 3,3% do PIB. A explicação está nos juros, que em 2005 atingiram 7,4% do PIB ante 5,3% do PIB em 2009.
A mesma coisa ocorreu quando se compara o segundo melhor resultado primário em 2004 com o segundo pior resultado primário em 2012. Ou seja, já passou da hora de as análises pararem de botar foco no resultado primário e passarem a encarar o resultado fiscal como fazem todos os países. E, mais: começarem a considerar o impacto fiscal da política monetária transmitido pela prática da Selic elevada.
A explicação dos juros elevados em 2004 e 2005 comparados com os que vigoraram em 2009 e 2012 está na Selic. Em 2004 (16,4%), em 2005 (19,1%), em 2009 (10,1%) e em 2012 (8,6%). Felizmente, apesar de tanto tempo perdido, há tendência de queda da Selic como ilustrado no gráfico.
Como mencionado no início do artigo, compõem a avaliação fiscal as receitas e as despesas. Seu comportamento, sua composição, a gestão, quem paga a receita, para onde se destinam as despesas são aspectos relevantes e obrigatórios em qualquer avaliação fiscal.
Sobre cada um desses itens vale discorrer e apresentar as diferentes visões. Não basta dizer que as despesas cresceram ou encolheram em relação a qualquer referência. É necessário ir além, muito além, para informar a todos que se interessam por acompanhar e cobrar das autoridades os resultados fiscais e os compromissos que assumiram nas campanhas eleitorais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário