GAZETA DO POVO PR - 02/12
Metrópoles são o centro das discussões urbanas. Mas o futuro também passa pelos municípios de poucas ruas, mas muitas identidades
A discussão mundial em torno do destino das pequenas cidades guarda um paradoxo. É de fato um debate de grande lastro, com ares de movimento. Encontra eco nas mais diversas divisas. Tem já suas vozes, como o antropólogo Olivier Mongin. Mas sofre de invisibilidade crônica. Vingou nos círculos eruditos, mas não chegou aos níveis mais populares. A dificuldade em responder como e quando pequenas cidades podem se tornar sustentáveis esbarra numa cultura firmada no último meio século. O mundo se tornou mais cosmopolita, fazendo dos interiores zonas idílicas, lugares dos antepassados, e nada desejáveis. A concentração urbana é a nova marca do tempo, cujo maior símbolo, para bem, é Londres, e para mal, a nigeriana Lagos. Assim se mede o mundo – a que distância se está da urbanidade.
É de fato assunto excitante, mas se concentra numa nota só: as saídas que as grandes cidades encontram para vencer seus funis. Buscam-se modelos aqui e ali. Qual resolveu o impasse da habitação. Qual se deu bem no combate à violência. As tops de educação. Enquanto isso, os pequenos espaços urbanos ficam na obscuridade. Ou são reduzidos a uma única equação: a de que devem se tornar polos turísticos. Quando muito, repete-se a cantilena de que às cidades onde mora pouca gente resta a graça de atrair uma indústria, que trará empregos e progresso.
Mal não faria a um estado como o Paraná sair à frente e abrir a discussão sobre as pequenas cidades. O assunto interessa sobremaneira ao estado. Mais da metade dos nossos municípios oscilam até 20 mil habitantes. Não vão se tornar fontes de águas termais ou cair nas graças do capital estrangeiro. Mais fácil é que desapareçam, vindo a se fundir com os vizinhos maiores, dos quais um dia se desmembraram sonhando com fortuna. Matéria publicada na Gazeta do Povo, no início de novembro, mostrou que 60% das cidades paranaenses não poderiam estar emancipadas, fossem aplicadas as regras de um projeto de lei que acabou vetado – município, só acima de 11 mil habitantes. Pior, dessas 200 e tantas, apenas oito têm Índice de Desenvolvimento Humano satisfatório, confirmando que cidade pequena é sinônimo de falta de emprego, ensino médio ruim e evasão populacional contínua.
Mas há exemplos de cidades minúsculas que permanecem do tamanho que são, e vai tudo bem. O século que viu surgir Shenzhen – uma aldeia de pescadores alçada em pouco tempo aos 10 milhões de habitantes – ainda necessita das escalas diminutas. Se os centros superpovoados têm algo a ensinar sobre a convivência e a economia, os pequenos também têm. Que se leve em conta as incríveis cidadezinhas alemãs, exemplos de governança em todos os níveis.
O desafio maior nesse debate é de visão. Temos pouca capacidade de olhar para cidades pequenas e enxergar as que têm algo a dizer aos grandes centros. Pode-se fazer um exercício simples, listando numa folha de papel as boas cidades pequenas que conhecemos e onde até gostaríamos de morar. São muitas. Em seguida, listar o que nos impediria de chamar o caminhão de mudança. Muitos não querem morar em lugares dos quais a locomoção para os grandes centros é sofrível, impedindo-lhes o acesso à cultura, à boa educação para os filhos, à formação profissional. A tomar por essa régua, a questão não é necessariamente o tamanho, mas o acesso, um aspecto inalienável da condição humana no século 21. Talvez o destino das pequenas cidades não esteja propriamente nelas, mas fora delas. Eis um dos pontos.
O outro é antropológico. Não existe um único tipo de cidade pequena. Elas são diversas, ainda que pareçam uma ilha em torno do coreto da igreja. Como mostra a cientista social Janaína Maquiavel Cardoso, no livro Cidades em miniatura, somente a observação qualificada desses espaços pode ajudar a entendê-los, em sua identidade, no que têm a dizer. A etnografia vai nos dizer mais sobre as pequenas cidades do que as estatísticas, com a agravante de que fazer expedições é mais caro que fazer contas.
No filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé, os moradores tentam provar que sua pequena cidade deve ser preservada das águas de uma barragem. Sabem que são poucas as chances. Não têm patrimônio arquitetônico. Resta-lhes descobrir o patrimônio imaterial, mas têm pouco tempo. Perdem a chance. Numa das cenas mais cruéis, observam o que sobrou do lugar, plantados na torre da igreja. A sequência diz que a grande cidade – beneficiada da barragem – não precisa da cidadezinha, varrida do mapa. Mas também diz quão pequeno o mundo fica dali em diante.
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