domingo, novembro 17, 2013

Meu Brasil, brasileiro - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 17/11

Aeroporto é um lugar de onde podemos tirar vários exemplos de quem é o brasileiro de verdade. Por mais que esteja acontecendo uma classecelização da passagem aérea (que bom!), o que torna esse ambiente agora cheio de marinheiros (voadores) de primeira viagem, quem eu vejo dar escândalo no balcão das companhias aéreas são sempre aqueles que já estão acostumados a viajar, que conhecem bem o esquema.

Estava em Florianópolis essa semana, sendo atendido tranquilamente pelo atendente, quando um cara ao meu lado começou a dar o seu escândalo. Um à parte: eu adoro ver pessoas alteradas aos berros dando piti, essas estão num tal estado bruto do sentimento que não tem mais filtros e se mostram como são lá dentro de verdade. E é divertidíssimo. Claro que pra mim e não pro coitado do atendente da TAM que estava sendo acuado.

O cara, transtornado, dizia que o voo dele era às 10h30 e que ainda eram 10h10 e o avião ainda não tinha saído. Que era um absurdo o pessoal não dar um jeitinho de colocá-lo pra dentro. O atendente tentava explicar que o voo estava encerrado, mas era interrompido por gritos de: "Você não está com boa vontade! Acordou de mau humor e resolveu descontar nos clientes. Isso é Brasil".

O que ele não conseguia ver é que, na verdade, se o atendente o tivesse colocado dentro do avião, aí sim é que seria Brasil. Desrespeitar as regras, dar um jeitinho, fazer todo um avião esperar um cara que estava atrasado e errado embarcar, isso é que é Brasil. Se o horário de embarque é meia hora antes, então é meia hora antes, não é vinte minutos antes. Ponto.

A gente gosta de bradar aos quatro cantos que lá na Europa sim as pessoas são bem tratadas, que nos EUA o atendimento é diferente, mas, quando a aplicação da regra tem que valer pra gente aqui, reclamamos. O brasileiro gosta é do jeitinho brasileiro. É o que o coloca no patamar de malandro. E se eu sou malandro, alguém é otário. Aí sim eu vejo vantagem. Contanto que esse otário não seja eu. Alguém tem que se ferrar pra eu me sentir melhor. Se seguir as normas me faz fazer o papel de otário, eu não quero. A malandragem fala mais alto.

Eu duvido que se esse cara que estava alterado tivesse chegado atrasado no aeroporto de Munique, ia dar aquele chilique. Claro que não. Porque lá as coisas funcionam, lá é primeiro mundo, lá... Lá, ele teria saído do hotel duas horas antes, justamente pra não atrasar porque sabia que, se atrasasse, perderia o voo e não teria choro nem vela.

Não estou aqui querendo fazer uma defesa das companhias aéreas, pelo amor de Deus. Longe de mim. Elas realmente têm milhões de problemas, e muitas vezes tratam muito mal seus clientes. Mas a gente também trata muito mal as pessoas quando elas não nos deixam fazer o papel de malandro. Não adianta querer que nos tratem como na Alemanha se nós ainda somos brasileiros. E brasileiros no sentido mais pejorativo e preconceituoso da palavra "brasileiros".

*

PS: No final ele foi embora aos gritos de: "O comandante Rolim vai saber disso!". Hahaha! Gênio!

Um comentário:

The Randonmness of serendipity disse...

Neste feriado presenciei uma cena muito parecida. Em Paraty uma senhora, muito bem afeiçoada, alta classe e com a educação de um rinoceronte queria entrar num barquinho no porto de Paraty, para ir até um restaurante em uma ilha, primeiro de todo mundo que já estava a espera a mais de 1 hora. E ela ia empurrando todo mundo na fila (inclusive um grupo de velhinhos ingleses) bradando "Eu sou amiga do dono!". Eu iria dar risada se eu tbm não estivesse na fila por horas debaixo de um sol escaldante. A sra entrou no barco, os velhinhos ingleses tbm, o barco começou a balançar e o marido da tal sra, no cais, muito educadamente aos berros dizia: "Get out! Get out of that boat, you unpolited english!". Pois bem, os ingleses não saíram, ela saiu, eu desisti de ir para o restaurante (pois se quisesse mesmo ir, teria que sair á tapas com a madame super educada) e os ingleses ficaram com a fama de mal educados, por não darem lugar à uma dama que chegou ali há 10 minutos atrás e decidiu que tinha o direito de passar na frente de muitas outras senhoras que estavam ao sol há mais tempo. Incrível!