O Estado de S.Paulo - 17/11
Enquanto as análises procuram explicar o baixo crescimento econômico ocorrido desde 2011, vale destacar dois importantes entraves à atividade econômica pouco lembrados: a) má distribuição de renda e; b) alta incidência tributária sobre ela.
A má distribuição de renda e tributária reduz o uso do potencial existente no mercado interno. Apenas 1% dos mais ricos detém renda próxima dos 50% mais pobres. Quem ganha até dois salários mínimos (SM) paga 49% dos rendimentos em tributos e quem ganha 30 SM, paga 26%.
Mesmo com avanço nos últimos anos na distribuição de renda e na incorporação de novos consumidores, comparações envolvendo renda per capita, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e coeficiente de Gini colocam o País nas últimas posições no ranking internacional.
Diante dessa situação, o Estado tem que arcar com o elevado déficit social tendo recursos limitados para isso, devido ao insuficiente nível de produção e de consumo existentes.
A presidente ampliou consideravelmente os programas de renda, mas como não conseguiu sucesso para fazer o País crescer, não poderá contar nos próximos anos com a correção do salário mínimo, devido à regra de correção ditada pelo crescimento de dois anos atrás.
Confronto de propostas. Para retomar o crescimento há que ter clareza quanto às vias de consegui-lo. Alguns defendem que o crescimento deva vir através de menor consumo para gerar poupança e permitir maior investimento. Com maior investimento cresce a produção e o emprego. Afirmam que para garantir crescimento sustentável de 5% ao ano é necessário investimento de 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Defendem maior abertura da economia para crescer a produtividade ao expor as empresas na concorrência internacional.
Outros defendem que o maior nível de consumo é que cria as condições para o crescimento dos investimentos, que são gerados, principalmente, pelas empresas, com os lucros ampliados pelo maior consumo. Advogam a desvalorização cambial como principal fator para enfrentar a concorrência internacional.
Infelizmente as análises mais difundidas se perdem no falso confronto entre consumo e investimento como polos opostos quando na realidade interagem positivamente: o crescimento do consumo induz investimento e este, por sua vez, crescendo atende a expansão do consumo.
O falso confronto parece mais usado como argumento de fundo político. O governo não parece ter clareza nessa questão e procura responder às críticas de que priorizou o consumo e não ocorreu o crescimento esperado, afirmando que prioriza o investimento lançando o pacote de concessões nos modais de transporte.
O argumento da necessidade de 22% do PIB para permitir crescer 5% ao ano não encontra justificativa na história econômica do País, pois: a) durante 30 anos, de 1951 a 1980 o investimento foi de 19,2% do PIB e o crescimento 7,4% ao ano, com produtividade inferior à atual e; b) na década de 80 o investimento atingiu 21,8% do PIB e o crescimento ocorrido foi de apenas 1,7% ao ano.
Fato é que o carro chefe do crescimento econômico, pelo menos desde 2004, tem sido o consumo das famílias. Entre 2004 e 2008, anos dourados do crescimento, com média anual de 4,8%, esse consumo explicou 56% da evolução do PIB. No pós-crise de 2009 a 2012 a explicação passou a ser de 70% com a retração dos investimentos. Mas, de pouco adianta crescer o consumo se esse crescimento vazar para o produto importado, como vem ocorrendo nos últimos anos, e aqui entra a questão cambial como divisor de águas na discussão entre maior ou menor abertura comercial.
Parece temerária a abertura maior da economia face ao elevado custo Brasil e preços elevados dos insumos fornecidos pelas empresas que se situam no início das cadeias produtivas. Seria expor mais ainda as empresas à dura disputa internacional.
Há que separar o joio do trigo. Abertura maior sim, mas para as matérias primas do início das cadeias produtivas, que ainda têm elevada proteção tarifária e, com isso, contaminam toda a cadeia produtiva. Se, por exemplo, o aço produzido no País tiver preço acima do internacional, todos os produtos que dependem dele ficam afetados na concorrência externa e elevam os preços internos freando o consumo e/ou elevando a importação.
Câmbio. O câmbio se encontra artificialmente valorizado pelo Banco Central (BC) ao manter a Selic muito acima do nível internacional. Com isso o BC atrai dólares especulativos e barateia o produto importado. É a principal política usada desde o Plano Real para controlar a inflação.
O gráfico ilustra a evolução do câmbio expresso em R$/US$ em valores de junho deste ano, descontada a inflação no atacado do Brasil e dos Estados Unidos. Vale destacar: a) a tendência histórica de valorização do real frente ao dólar; b) a valorização acentuada a partir de 2002 (R$ 4,30/US$), caindo ao nível mínimo em 2011 (R$ 1,83/US$) e; c) o valor atual de R$ 2,20/US$ se afasta muito da média histórica (R$ 3,63/US$).
Essa valorização excessiva do real afeta as contas externas que caminham neste ano para um déficit de US$ 80 bilhões. No período 2003/2007 houve superávit nas contas externas e o câmbio médio real nesse período foi de R$ 3,04/US$. Naquele período as relações de troca com o exterior e o forte crescimento mundial ajudaram na formação do superávit. É por esse conjunto de fatores que o câmbio deve alcançar no mínimo R$ 3,00/US$ para restaurar o equilíbrio nas contas externas e parte da competitividade que foi retirada pela política de controle inflacionário.
Política tributária. Quanto à distribuição da carga tributária, nada mudou, mantendo o atraso de onerar pesadamente a classe média e as camadas de menor renda. Historicamente as propostas de reforma tributária passaram ao largo da questão da justiça tributária. Focaram a simplificação do sistema, como se isso conduzisse à redução da carga tributária. Propostas de melhor distribuição da carga tributária sobre os que pagam as contas do governo, ou não saem do Executivo, ou se saem, morrem no Congresso ou no Judiciário.
Aproveitar o potencial do mercado interno pressupõe, entre outras coisas, reduzir os entraves ao crescimento devido à má distribuição de renda e tributária. Felizmente há espaço para fazer o que já fazem há tempo os países desenvolvidos. Resta fazer.
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