domingo, novembro 17, 2013

Incompetência sem-fim - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 17/11

Sérias ameaças partidas da BHTrans pairam sobre os belorizontinos, relativamente às providências que irá tomar.

Sempre gostei de bicicletas, mas esperar delas soluções urbanas é demais. Há cidades famosas pelo seu uso como meio de locomoção. Governador Valadares (MG) é uma delas; a cidade é toda plana e pequena.

Quando estive na China, o uso da bicicleta era massivo em cidades planas, como Beijing e Nanjing. Da segunda vez, 9 anos após, não era mais. O metrô e os veículos leves sobre rodas e trilhos predominavam.

De Paris, capital do "charme", vem a ideia de usar bicicletas para ir e vir a locais pontuais. Os daqui acham que é "a solução", o "dernier crie", justo lá, com um metrô fantástico, verdadeira teia de aranha no subsolo da região metropolitana, boas estradas, bons trens, um anel de contorno unindo o banlieue - subúrbios - à velha capital, além de via expressa no miolo urbano, unindo os diversos arrondissements (bairros-distritos em forma de caracol).

Belo Horizonte é montanhosa. Brasília é quase plana, topografia de cerrado. O alcaide da capital mineira, ironicamente de sobrenome Lacerda, consentiu que a BHTrans tome decisões equivocadas. Vamos lá. Carlos Lacerda - não confundir com Márcio Lacerda - fez o aterro do Flamengo, o Túnel Rebouças, o calçadão e o alargamento da orla de Copacabana. Sem essas obras, o Rio, certamente, estaria hoje intransitável. Brasília tem avenidas e pistas amplas ligando a capital às cidades satélites. Quem quiser que vá de bicicleta, à tração humana (melhor a moto). Mas inexiste no DF a paixão da BHTrans pela velha bicicleta. Quer ampliar as ciclovias dos 60km atuais, desprezados, para 200km até 2016, e 360km em 2018, estreitando ruas e avenidas. E, para punir ainda mais os sofridos motoristas, vão alargar as calçadas (de resto, esburacadas) e fechar quadras inteiras na região central, hospitalar e comercial (Barro Preto). Ao invés de facilitar, quer dificultar a vida dos motoristas, impossibilitado de condená-los à morte. Logo nos sugerirá o uso intensivo de patins. Teremos "patinvias" à vontade. São Paulo, com a região metropolitana, forma um tecido urbano compacto como BH, porém menos montanhoso, multiplica o quanto pode as soluções viárias. Em BH só se pensa em bicicletas, alargamento de calçadas e estreitamento de ruas. Nenhuma cidade no Brasil deve cair no conto da bike!

Causa espanto aos visitantes as supercoloridas ciclovias de BH. Acontece que somente uns "gatos pingados" as utilizam. Se utilizassem, estariam em meio a gases veiculares, à truculência do trânsito e a uma cacofonia insuportável, tamanho o buzinaço diário, nervoso, irritante, sem contar as subidas e o excesso de cruzamentos duplos, triplos e, às vezes, quádruplos. Como atravessar cruzamentos tão irracionais? Seria como andar nas savanas africanas, no meio de animais a correr em selvagem tropel. Há lugares adequados para ciclovias: no Parque JK, no entorno da Pampulha, nas vias internas da Avenida dos Andradas e outros, mas entupir a cidade, qualquer cidade, de ciclovias, morros acima, por toda parte, beira a insanidade.

Mas a incompetência gerencial, a falta de planejamento gerencial, não é imputável apenas a prefeitos. Veja-se o Dnit, responsável pelo Anel dito Rodoviário. Deveríamos tê-lo como urbano-rodoviário de BH. O governo federal gastou horrores para aumentá-lo, recapeá-lo e sinalizá-lo, com resultados pífios. Esqueceu-se do essencial: duplicar os muitos viadutos que servem para transpor as grandes avenidas e caminhos que demandam Rio, São Paulo, Brasília, Pampulha, Vale do Aço. De repente, as pistas se reduzem a uma ou duas (mão e contramão). São gargalos, fator de retardo na velocidade e retenção de veículos, a formar filas imensas, aqui e acolá, verdadeira deseconomia produtiva. A nossa engenharia de trânsito passa-nos a ideia de gestores candestros. Recuso-me a debitar na genética lusa a culpa. O defeito é nacional ou pelo menos regional, pois não devo criticar a vizinhança. Críticas são feitas diariamente pelas mídias locais.

No Brasil da politicagem, do "presidencialismo de coalizão" (40 ministérios), incentivado por Lula em nome da "governabilidade" (32 partidos que ninguém sabe o que predicam ou por que existem), fazer negócios à sombra do poder virou o objetivo primacial dos políticos, mas, na administração da coisa pública em favor do cidadão, do eleitor, do contribuinte, que são nossas identidades em face dos governos que nos devem eficiência na saúde, na educação, na segurança pública, na mobilidade com conforto e rapidez, somente se vê improvisações, descaso e gastos superfaturados. Que se danem todos, que se mudem para o inferno, de preferência usando bicicletas. As regiões metropolitanas do Brasil estão próximas de enfartos urbanos. Soluções comuns e eficazes são necessárias.

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