FOLHA DE SP - 14/10
SÃO PAULO - Além de ter detestado a baía de Guanabara --segundo o verso biográfico não autorizado de Caetano Veloso--, o antropólogo Claude Lévi-Strauss inventou uma tipologia para diferenciar os agrupamentos humanos de acordo com sua inclinação pela mudança.
Sociedades quentes, como as da Europa ocidental, transformam-se constantemente. Sua narrativa é a história. Em contraponto, as sociedades frias, como algumas ameríndias, preservam seus contornos culturais e organizacionais ao longo dos séculos. Sua narrativa são os mitos.
Entre o quente e o frio, o Brasil fica no meio da escala, morno. Aqui sempre haverá reservas de gelo para neutralizar ou atenuar os vetores flamejantes do conflito e da mudança.
A batalha cultural típica dos EUA, entre os conservadores e os progressistas, ensaia repetir-se aqui. Mas nosso campo gravitacional macunaímico modera sua belicosidade e embaralha seus pelotões. O que de lá sai guerra aqui chega gincana.
O Datafolha mostra os brasileiros francamente progressistas na aceitação da homossexualidade, na defesa da proibição do porte de armas e no reconhecimento da falta de oportunidades iguais como causa da pobreza. Maiorias também expressivas, contudo, agrupam-se em torno de ideias conservadoras, como a proibição do uso de drogas, a preferência por tratar como adultos os adolescentes que cometam crimes e a vantagem intrínseca da crença divina.
Aceita como causa da pobreza, a falta de oportunidades é porém recusada pela maioria como responsável pela criminalidade. É a maldade das pessoas que leva à delinquência.
Poucos são os temas, como a pena de morte e o papel dos sindicatos, que instilam polarização equilibrada, à americana. Fora disso, as maiorias são folgadas e constantes ao longo dos estratos socioeconômicos.
É o Brasil de Caetano e de Kassab. Nem quente, nem frio. Nem à esquerda, nem ao centro, nem à direita.
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