Em um contorcionismo financeiro e legal, o governo e sua base aliada removem os últimos diques que ainda seguravam o endividamento dos Estados e municípios, cuja renegociação de pesados débitos no fim dos anos 90 culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Simultaneamente, o governo determinou que o BNDES prepare uma linha como o Proinvest para financiar as prefeituras das capitais, tal como fez com os Estados, que tiveram R$ 20 bilhões disponíveis.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 238/13, que altera o indexador das dívidas dos entes da federação, foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados anteontem. No plenário vai receber uma emenda substitutiva global para, entre outras mudanças, autorizar o recálculo das dívidas retroativo à data original dos contratos (a partir de 1997).
Pela nova regra, os contratos de refinanciamento dos Estados e municípios com a União serão revistos e passam a ser reajustados, a partir de janeiro de 2013, pelo IPCA mais 4% ao ano, ou pela taxa Selic, o que for menor. Hoje, as dívidas são corrigidas com base na variação do IGP-DI mais 6%, 7,5%, ou 9%, ao ano, conforme cada contrato.
A Prefeitura de São Paulo será a maior beneficiária da retroatividade do indexador. O município ficou com um custo financeiro maior - IGP-DI mais 9% ao ano - porque, ao contrário dos demais, não pagou a entrada para amortizar parte da dívida na assinatura do contrato.
A dívida da prefeitura paulistana será reduzida em R$ 24 bilhões. A dos Estados em geral, em cerca de R$ 1 bilhão. Segundo o Tesouro Nacional, outras 179 prefeituras serão beneficiadas, mas a secretaria não informou quais nem em quanto.
Com o abatimento do estoque da dívida, o município de SP e o Estado do Rio Grande do Sul vão poder contratar novos empréstimos, o que até então não podiam por desenquadramento nos limites legais de endividamento.
Para ajudar Fernando Haddad a reduzir a dívida da prefeitura paulistana e ainda poder obter novos empréstimos, o projeto de lei complementar deve ser votado no plenário da Câmara na próxima semana, em seguida, irá para o Senado e, posteriormente, para sanção presidencial.
Apesar de o Ministério da Fazenda atestar que o projeto não fere o artigo 35 da LRF - que veda a realização de nova renegociação de dívida entre os entes da federação - essa é uma avaliação questionável.
"É uma contrarreforma", disse o economista Fábio Giambiagi, sobre o projeto de lei complementar. "Estão reproduzindo a situação pré-LRF", alertou o economista José Roberto Afonso, referindo-se ao quadro de falência que imperava nas finanças estaduais e municipais nos anos 90. Ambos são especialistas em contas públicas e Afonso foi um atuante colaborador na elaboração da LRF.
As bases da responsabilidade fiscal - cuja lei instituiu um novo padrão de comportamento dos entes públicos em relação ao dinheiro do contribuinte - começaram a ser minadas há mais tempo, através de liberalizações daqui e dali do Tesouro Nacional, mediante concessão de garantias para operações de crédito a Estados e municípios e outras decisões administrativas.
Hoje, os Estados têm à disposição R$ 61,13 bilhões de empréstimos já contratados e mais R$ 27,82 bilhões de dívida autorizada a ser contratada, perfazendo um total de R$ 88,96 bilhões em novos empréstimos. Cerca de 40% desse montante é para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, segundo dados do Tesouro enviados à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Isso corresponde a um aumento de 22% na dívida líquida total e de 95%, em média, na dívida dos Estados, quando tudo estiver liberado.
A dívida da prefeitura de SP é impagável e o município precisava mesmo de um alívio. Quando fez a rolagem, em 2000, o saldo da dívida era de R$ 11,3 bilhões. Mesmo pagando R$ 19,5 bilhões desde então, a dívida subiu para R$ 54 bilhões. A demanda de governadores e prefeitos era, reduzir os fluxos de pagamento da dívida, esticando os prazos.
O PLC 238 vai por outro caminho: diminui o estoque e cria as condições para destravar o crédito na medida em que reduz o saldo das dívidas para um patamar abaixo dos tetos estabelecidos pelos contratos de refinanciamento e pelo Senado. Os demais Estados já estavam liberados para participar da "festa" e foram em busca de crédito com a anuência do Tesouro Nacional.
Entre maio e agosto, a União concedeu R$ 24 bilhões em aval para empréstimos contraídos por Estados e municípios, além de garantias de mais de R$ 12 bilhões de maio a setembro. Os créditos são contratados junto ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa, em nome do estímulo ao investimento e para programas de mobilidade urbana.
Se o passado é uma lição para o futuro, esse é um processo de endividamento que pode recolocar os entes da federação na situação falimentar que estavam nos anos 90, quando a União teve que assumir suas dívidas, renegociá-las por 30 anos e vedar novos empréstimos.
Atualmente eles pagam entre 11% a 13% da receita corrente líquida mensal para o Tesouro Nacional, pela rolagem passada. O desconto do estoque da dívida vai reduzir um pouco esses desembolsos, mas os Estados e municípios estão contratando novos empréstimos. Com os prazos de carência dos créditos recentes, a conta ficará para os próximos governadores e prefeitos. Se, lá na frente, eles tiverem que comprometer 15%, 18% ou 20% com o pagamento de dívidas, não terão como arcar com as demais despesas - como segurança pública, saúde ou educação. E a única saída será uma nova rolagem.
Simultaneamente, o governo determinou que o BNDES prepare uma linha como o Proinvest para financiar as prefeituras das capitais, tal como fez com os Estados, que tiveram R$ 20 bilhões disponíveis.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 238/13, que altera o indexador das dívidas dos entes da federação, foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados anteontem. No plenário vai receber uma emenda substitutiva global para, entre outras mudanças, autorizar o recálculo das dívidas retroativo à data original dos contratos (a partir de 1997).
Pela nova regra, os contratos de refinanciamento dos Estados e municípios com a União serão revistos e passam a ser reajustados, a partir de janeiro de 2013, pelo IPCA mais 4% ao ano, ou pela taxa Selic, o que for menor. Hoje, as dívidas são corrigidas com base na variação do IGP-DI mais 6%, 7,5%, ou 9%, ao ano, conforme cada contrato.
A Prefeitura de São Paulo será a maior beneficiária da retroatividade do indexador. O município ficou com um custo financeiro maior - IGP-DI mais 9% ao ano - porque, ao contrário dos demais, não pagou a entrada para amortizar parte da dívida na assinatura do contrato.
A dívida da prefeitura paulistana será reduzida em R$ 24 bilhões. A dos Estados em geral, em cerca de R$ 1 bilhão. Segundo o Tesouro Nacional, outras 179 prefeituras serão beneficiadas, mas a secretaria não informou quais nem em quanto.
Com o abatimento do estoque da dívida, o município de SP e o Estado do Rio Grande do Sul vão poder contratar novos empréstimos, o que até então não podiam por desenquadramento nos limites legais de endividamento.
Para ajudar Fernando Haddad a reduzir a dívida da prefeitura paulistana e ainda poder obter novos empréstimos, o projeto de lei complementar deve ser votado no plenário da Câmara na próxima semana, em seguida, irá para o Senado e, posteriormente, para sanção presidencial.
Apesar de o Ministério da Fazenda atestar que o projeto não fere o artigo 35 da LRF - que veda a realização de nova renegociação de dívida entre os entes da federação - essa é uma avaliação questionável.
"É uma contrarreforma", disse o economista Fábio Giambiagi, sobre o projeto de lei complementar. "Estão reproduzindo a situação pré-LRF", alertou o economista José Roberto Afonso, referindo-se ao quadro de falência que imperava nas finanças estaduais e municipais nos anos 90. Ambos são especialistas em contas públicas e Afonso foi um atuante colaborador na elaboração da LRF.
As bases da responsabilidade fiscal - cuja lei instituiu um novo padrão de comportamento dos entes públicos em relação ao dinheiro do contribuinte - começaram a ser minadas há mais tempo, através de liberalizações daqui e dali do Tesouro Nacional, mediante concessão de garantias para operações de crédito a Estados e municípios e outras decisões administrativas.
Hoje, os Estados têm à disposição R$ 61,13 bilhões de empréstimos já contratados e mais R$ 27,82 bilhões de dívida autorizada a ser contratada, perfazendo um total de R$ 88,96 bilhões em novos empréstimos. Cerca de 40% desse montante é para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, segundo dados do Tesouro enviados à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Isso corresponde a um aumento de 22% na dívida líquida total e de 95%, em média, na dívida dos Estados, quando tudo estiver liberado.
A dívida da prefeitura de SP é impagável e o município precisava mesmo de um alívio. Quando fez a rolagem, em 2000, o saldo da dívida era de R$ 11,3 bilhões. Mesmo pagando R$ 19,5 bilhões desde então, a dívida subiu para R$ 54 bilhões. A demanda de governadores e prefeitos era, reduzir os fluxos de pagamento da dívida, esticando os prazos.
O PLC 238 vai por outro caminho: diminui o estoque e cria as condições para destravar o crédito na medida em que reduz o saldo das dívidas para um patamar abaixo dos tetos estabelecidos pelos contratos de refinanciamento e pelo Senado. Os demais Estados já estavam liberados para participar da "festa" e foram em busca de crédito com a anuência do Tesouro Nacional.
Entre maio e agosto, a União concedeu R$ 24 bilhões em aval para empréstimos contraídos por Estados e municípios, além de garantias de mais de R$ 12 bilhões de maio a setembro. Os créditos são contratados junto ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa, em nome do estímulo ao investimento e para programas de mobilidade urbana.
Se o passado é uma lição para o futuro, esse é um processo de endividamento que pode recolocar os entes da federação na situação falimentar que estavam nos anos 90, quando a União teve que assumir suas dívidas, renegociá-las por 30 anos e vedar novos empréstimos.
Atualmente eles pagam entre 11% a 13% da receita corrente líquida mensal para o Tesouro Nacional, pela rolagem passada. O desconto do estoque da dívida vai reduzir um pouco esses desembolsos, mas os Estados e municípios estão contratando novos empréstimos. Com os prazos de carência dos créditos recentes, a conta ficará para os próximos governadores e prefeitos. Se, lá na frente, eles tiverem que comprometer 15%, 18% ou 20% com o pagamento de dívidas, não terão como arcar com as demais despesas - como segurança pública, saúde ou educação. E a única saída será uma nova rolagem.
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