O GLOBO - 26/10
Maioria das cidades está em situação fiscal difícil ou crítica, e isso precisa ser levado em conta por Dilma para vetar o relaxamento de controles na criação de prefeituras
Na discussão que mostra um desencontro entre o total de creches que Dilma Rousseff prometeu entregar até o fim de seu governo (8.685, como O GLOBO lembrou esta semana, citando um pronunciamento da presidente em abril, em seu programa de rádio) e o que o Planalto, em nota, assegura ser a meta real do governo (seis mil), bem mais relevante é uma questão subjacente ao debate. Embutido nessa guerra de números está o problema maior da incapacidade que municípios brasileiros têm de cumprir seus compromissos orçamentários com recursos próprios, e não só na área da Educação. É digno de nota, no caso específico das creches, que um dos fatores que inviabilizam o programa de construção seja a impossibilidade de as prefeituras honrarem suas contrapartidas.
Pouco mais de uma década depois da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, marco crucial para a administração pública brasileira, a maior parte das prefeituras vive em crônica dependência de repasses e não fecha suas contas. A esse propósito, é revelador o perfil dos municípios revelado por recente pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Com base em dados de 5.266 das 5.565 cidades do país, onde vivem 96% da população, o levantamento indica que 65% delas estão em situação fiscal difícil ou crítica. Excelência de gestão só há em 2% dos municípios.
A Firjan tabulou dados fiscais relativos a 2010, comparando-os com números de 2006 a 2009, declarados pelas próprias prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional. Além de ter se baseado em informações oficiais, a pesquisa considerou cinco quesitos: receita própria (capacidade de arrecadação), gasto com pessoal (despesas com folha de pagamento, para medir o grau de rigidez do orçamento), liquidez, investimentos e custo da dívida (para avaliar o comprometimento do orçamento com o pagamento de juros e amortizações de empréstimos).
Um detalhe que projeta para a frente um quadro ainda mais sombrio: este preocupante perfil dos municípios é resultado da análise de dados relativos ao período de maior crescimento econômico do país desde 1986, diferente, portanto, da atual conjuntura. A saída não está no atropelamento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao contrário, sem maiores controles, a questão se agravará.
É um quadro a ser levado em conta na extemporânea retomada da discussão sobre a criação de novos municípios. A ideia voltou a ganhar força com a aprovação, no último dia 16, no Senado, de um projeto que volta a flexibilizar as regras para a emancipação de distritos. A farra está contida desde 1996, após um surto em que, desde a Constituição de 88, apareceram duas mil novas cidades no país. O projeto está à espera da sanção presidencial. A inviabilidade financeira da maioria absoluta dos municípios já existentes é indiscutível argumento em favor do veto de Dilma.
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