ZERO HORA - 29/09
Temos um encontro marcado com o dia 5 de outubro deste ano. Encontro de celebração, porque nessa data é que a nossa Constituição Federal completará 25 anos de promulgada. Uma Constituição que não para de gerar as melhores oportunidades para a concreção dos seus expressos desígnios democráticos. Seja a democracia como processo ou via de realização dos outros princípios constitucionais ditos materiais (desenvolvimento, segurança, bem-estar, impessoalidade, pluralismo, liberdade de imprensa, moralidade etc.), seja a democracia como princípio igualmente material.
Explico melhor. Na Constituição que se avizinha do seu primeiro quarto de século, a democracia é o princípio dos princípios ou o valor dos valores (princípios jurídicos veiculam valores, assim como regras jurídicas veiculam interesses). Num primeiro momento, ela, democracia, é uma espécie de camisa 10: assiste aos outros valores para que eles fiquem na cara do gol, falemos assim. Mas quando o gol é realizado, a democracia também se realiza com ele. Resplende nele. Com o que se tem um heterodoxo gol de dupla autoria.
É nesse sentido que a democracia revela a sua dupla compostura de corrente e de embocadura. É procedimentalista, num primeiro momento, e no instante seguinte já é substancialista. Logo, a democracia como o caminho mais curto, seguro e legítimo entre a liberdade e o indivíduo; entre o desenvolvimento e o país; entre o bem-estar e o povo; entre a moralidade e a consciência coletiva de sua imprescindibilidade; entre a informação e a liberdade de imprensa (por amostragem), com a peculiaridade de se transfundir em todos esses valores materiais à medida em que eles se tornam reais. Regime das melhores oportunidades, então, é o regime que atende pelo sacrossanto nome de democrático. Melhores oportunidades para se fazer do mais qualificado sistema de normas jurídicas a mais fidedigna e cotidiana experiência.
Essa cotidiana e fidedigna experiência não é senão o ápice da vida institucional-democrática, porquanto revelada em exemplos. Em práticas mais e mais conscientes. Legitimidade pelo exercício, portanto, e por isso mesmo do tipo sustentado. Do tipo retroalimentado, pois “vale mais um grama de exemplos que uma tonelada de palavras” (dito popular chinês). O exemplo a induzir comportamentos coletivos e assim plasmar uma nova cultura. Um novo caráter nacional.
Reside nesse efetivo transporte da teoria para a prática o seguinte juízo de realidade: tem sido crescentemente superavitário o desempenho global da
Constituição, nesses ininterruptos 25 anos de sua vigência. Donde tantas decisões arejadoras dos nossos costumes, proferidas pelo Poder Judiciário como um todo e pelo Supremo Tribunal Federal em particular (células-tronco embrionárias, liberdade de imprensa em plenitude, proibição do nepotismo nas entidades e nos órgãos públicos, fidelidade partidária, interrupção voluntária de gravidez de feto anencéfalo, união estável de pessoas do mesmo sexo, constitucionalidade das cotas sociais e raciais (ProUni), Raposa-Serra-do-Sol, reconhecimento do poder correcional do Conselho Nacional de Justiça, liberdade de reunião para discutir qualquer tema jurídico (“marcha da maconha”); liberdade de humor em todos os veículos de comunicação social, inclusive pelo rádio e pela televisão, mesmo em período eleitoral. Donde as tantas leis intrinsecamente meritórias do Poder Legislativo Federal, a exemplo da Lei Maria da Penha, da Lei de Defesa e Proteção do Consumidor, da Lei da Ficha Limpa, da Lei de Improbidade Administrativa, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Falências. Donde, enfim, os movimentos sociais de rua a gravitar em torno das mais lúcidas ideias de que: a) o dinheiro que desce pelo ralo da corrupção é o que falta para políticas públicas de cunho social; b) a moralidade administrativa é dever jurídico dos governantes e correlato direito do povo a um governo honesto (“toda a arte de governar consiste em ser honesto”, dizia Thomas Jefferson); c) ninguém está acima da lei, porquanto feita, republicanamente, para todos; d) “o como se governa prepondera sobre quem governa” (Norberto Bobbio) e governo democrático só pode ser “o governo do poder público, em público” (o mesmo Norberto Bobbio); ou seja, governo que atua com a transparência do sol do Nordeste a pino.
Salve, pois, o dia 5 de outubro de 2013! Data de aniversário de uma Lei Fundamental que, em momento de feliz inspiração e presciente orgulho nacional, Ulysses Guimarães batizou de “Constituição-cidadã”. A Constituição que, pela excelsitude dos valores que alberga, sob a primazia do regime democrático, nos torna um Estado juridicamente primeiro-mundista. Na prática, a que nos possibilita avançar mais e mais nessa tão civilizada direção.
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