VALOR ECONÔMICO - 13/08
Nada indica melhor as incertezas do mundo e o desespero por uma boa notícia do que as esperanças levantadas por um fato aleatório: um superávit comercial da China de US$ 18 bilhões, acompanhado por um aumento de 11% das suas importações de julho de 2013 sobre o seu homólogo de 2012.
Depois de meses de dúvidas sobre a economia chinesa, seu desequilíbrio interno e as dificuldades de seu sistema bancário, uma observação - apenas uma - antecipou o dia quando a noite ainda nasce. Como por milagre produziu a "volta do apetite de risco" dos mercados internacionais. No Brasil, vitimado por um pessimismo devastador, a Bovespa reagiu: subiu 3,12% e - vejam que efeito misterioso tem uma observação aleatória chinesa - até a ação da OGX ON subiu 9,25% (para R$ 0,59!).
Diante de tão forte demonstração da qualidade das "expectativas racionais" dos mercados financeiros e de sua volatilidade, não é possível deixar de perguntar de onde vem o radical desânimo que se abateu sobre o empresariado nacional. É verdade que fatos são fatos e não podem deixar de sê-lo. Estamos crescendo pouco, temos uma inflação desconfortável e um déficit em conta corrente que merece atenção. São menos resultados da conjuntura externa, ou de "erros" de política econômica inconsequente, e mais efeitos indesejados de uma política consciente de redução das desigualdades.
Não há a menor dúvida que poderia ser melhor se, por exemplo, não tivéssemos usado as empresas estatais como instrumentos de controle da inflação. O controle de preços dos combustíveis tem efeitos deletérios: 1) produz uma alocação defeituosa dos fatores de produção, que reduz a produtividade de todo o sistema econômico; 2) destrói o setor de etanol que atendendo a um forte apelo e estímulo do governo, investiu na sua produção; 3) aumenta o congestionamento urbano e a poluição; 4) prejudica a própria Petrobras (e seus acionistas) que tem usos alternativos mais eficientes para seus recursos; e, por último, e mais importante 5) destrói a crença do setor privado na coerência e na seriedade do governo. Não há nada mais destruidor da confiança do setor privado nas autoridades do que promessas de longo prazo quebradas por ações oportunísticas no curto prazo.
O atual pessimismo, entretanto, não encontra correspondência nos dados da conjuntura social e econômica. Com relação à política fiscal, é claro que ela continua expansiva, mas a relação dívida bruta/Produto Interno Bruto é ligeiramente menor do que 60% e os déficits fiscais dos últimos anos têm ficado abaixo de 3% do PIB. A situação não é confortável, mas está longe de representar uma tragédia.
Com relação à taxa de inflação, parece que o Banco Central deixou de aceitar passivamente a dominância fiscal. Instituiu seu próprio indicador de "déficit estrutural" para balizar a taxa de juros e dá claros sinais de que, se não for ajudado por uma política fiscal adequada, vai elevá-la até onde achar necessário. A observação de julho (IPCA de 0,03%) confirmou o que o governo sempre disse: nunca houve qualquer ameaça de perda de controle da taxa de inflação acumulada em 12 meses. Ela retornou ao teto da "banda" e, mais importante, houve uma redução do índice de difusão.
Aqui, também, o apocalipse não está na esquina, apesar de a situação ser constrangedora. Somos um dos cinco países (excluídos a Argentina e a Venezuela) dos acompanhados pela revista "The Economist" que apresentam taxa de inflação nos últimos 12 meses acima de 6%.
Os recentes ajustes na política cambial mostram que as autoridades acordaram para o problema criado pelo estímulo espetacular ao aumento dos salários nominais desde 2003 (muito acima da produtividade do trabalho) combinado com uma desastrosa política de valorização cambial promovida pela maior taxa de juro real do universo. Até muito recentemente a taxa de câmbio real do Brasil foi a mais valorizada do mundo. Colhemos os seus efeitos na acumulação de um déficit em conta corrente de mais de US$ 250 bilhões entre 2009 e 2013! É o resultado não intencional da política equivocada de valorizar o câmbio no combate à inflação, que destruiu o nosso sofisticado setor industrial.
Mas há boas notícias. Pelos recentes pronunciamentos do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é visível que o governo está mudando. Absorveu: 1) a desagradável ideia que empréstimo interno do Tesouro não é recurso novo e que não há mais espaço para ação fiscal. O que lhe resta é cooptar o setor privado com leilões bem projetados para a realização dos investimentos em infraestrutura; 2) que não há mais condição de usar expedientes imaginosos na luta contra a inflação. Ela é o resultado indesejado da sua própria ação; e 3) que uma política realista de câmbio é um dos caminhos para a indispensável reconstrução industrial. É visível a melhora na interlocução entre o governo e o setor privado de infraestrutura.
Não é possível deixar de reconhecer, por outro lado, que todo aquele passivo teve como compensação um substancial ativo: a construção de uma sociedade mais civilizada e mais igualitária. É tempo, portanto, de dissipar as desconfianças e as incertezas implícitas na relação conflituosa entre o governo e o setor privado, que hoje é o principal ingrediente do sistemático adiamento dos investimentos. O governo deu o primeiro passo. É a vez do setor privado.
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