O Estado de S.Paulo - 13/08
Empacadas há quase dez anos, as negociações de um acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia devem ser retomadas em breve, mas dificilmente chegarão a bom resultado, por falta de entendimento entre os parceiros sul-americanos. A notícia mais otimista sobre o assunto, divulgada neste domingo no site do jornal britânico Financial Times, foi desmentida pelo Itamaraty. Segundo a reportagem, o governo brasileiro planejaria negociar um acordo separado com o bloco europeu, mas com autorização dos sócios do Mercosul. Um esquema discutido entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela permitiria a realização de acertos com velocidades diferentes. O ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, teria fornecido a informação. Mas, de acordo com a assessoria de imprensa do Ministério, houve um erro de interpretação. Não haverá iniciativas separadas, de acordo com a fonte ministerial, até porque uma união aduaneira, como o Mercosul, tem de operar com tarifas comuns.
O desmentido é compreensível, mas a ideia de um acordo com cronogramas diferentes de implementação já circulou no Brasil e é admitida reservadamente por diplomatas. As condições da negociação ficarão mais claras quando for divulgada a proposta em estudo pelo governo brasileiro.
De toda forma, a reportagem, mesmo com imprecisão, toca indiretamente num problema fundamental da diplomacia econômica brasileira. Lançada em 1999 e interrompida em 2004, a negociação do Acordo de Associação Birregional entre União Europeia e Mercosul foi prejudicada por obstáculos criados pelos dois lados, mas principalmente por desacordos entre brasileiros e argentinos.
Em 2010 discutiu-se o relançamento das conversações e houve encontros nos dois anos seguintes. Mas só com muito otimismo se pode esperar um bom resultado em prazo razoável. O projeto é mais velho que a Rodada Doha, iniciada em 2001, envolve muito menos parceiros, o desequilíbrio entre as partes é menor e a conclusão deveria ter sido mais simples.
Os negociadores brasileiros sempre se mostraram mais dispostos a fazer concessões à União Europeia. A troca de benefícios, como deveria saber até o conselheiro Acácio, é da essência de toda negociação, mas nem todos os participantes parecem acreditar nisso. O governo da Argentina insistiu na linha protecionista adotada durante toda a gestão dos Kirchners, Néstor e depois Cristina.
A política de barreiras tem sido aplicada também no comércio entre os sócios do Mercosul, principalmente contra o Brasil. Essa vem sendo, há anos, uma das causas principais da paralisia do bloco e de seu fracasso como esquema de integração regional e de inserção no sistema global de comércio.
Essa estranha situação se tem prolongado graças à tolerância do governo brasileiro. É uma das manifestações de uma diplomacia baseada, a partir de 2003, numa concepção geopolítica tão ingênua quanto anacrônica. Uma das ilusões criadas por essa concepção foi a crença em uma liderança regional jamais confirmada pelos fatos, mas muito custosa para o País.
De vez em quando, a administração da presidente Dilma Rousseff dá a impressão de buscar um rumo diferente. Nos últimos tempos, a diplomacia brasileira tem exibido renovado interesse pela aproximação com os mercados do mundo desenvolvido. Mas esse interesse dará em nada, se a diplomacia comercial continuar na dependência de um Mercosul esclerosado.
A maneira mais segura de reanimar o bloco seria abandonar as amarras de uma união aduaneira fracassada e voltar à condição mais simples de área de livre-comércio. Assim, cada sócio poderia mais facilmente cuidar de seus objetivos. Haveria problemas. Seria preciso rever as bases da negociação com a União Europeia, até agora uma conversação entre blocos. Mas a mudança seria compensadora para o Brasil e, provavelmente, para o Uruguai e o Paraguai. A Argentina também seria beneficiada, se o choque de realidade estimulasse pelo menos o respeito ao livre-comércio com seus vizinhos.
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