FOLHA DE SP - 02/07
Não é necessariamente ruim a demanda por gastos públicos, ainda que o pedido se choque com a austeridade fiscal
Antes do início dos jogos da Copa das Confederações, que terminou anteontem com vitória do Brasil, a Fifa executava apenas uma parte dos hinos nacionais dos países em disputa. Quando a seleção brasileira estava em campo, a torcida ignorava a interrupção da música nos alto-falantes e completava o hino com os próprios pulmões.
Nas manifestações das últimas semanas, milhares de jovens foram às ruas com bandeiras e caras pintadas de verde e amarelo, coisa que não se via desde os tempos do impeachment de Collor, há mais de 20 anos.
Muito já se falou e escreveu a respeito da assombrosa onda de protestos populares no país. Não há como não lamentar a violência perpetrada por pessoas que se infiltraram no movimento iniciado por jovens estudantes. Infelizmente, o país teve de conviver com incêndios de prédios e veículos, coquetéis molotov, depredações, invasões de edifícios públicos e toda a sorte de violência.
Em nenhum momento, porém, um manifestante com a bandeira nas costas foi flagrado cometendo essas violências.
Não tenho a intenção de discutir as reivindicações dos manifestantes. Há, porém, na maioria delas uma clara demanda de aumento de gastos públicos. A suspensão do reajuste das tarifas de ônibus em muitas cidades, principal conquista do movimento até agora, assim como a melhoria do transporte, da saúde e da educação, apontam nessa direção.
Não é necessariamente ruim essa demanda, ainda que ela se choque frontalmente com a austeridade fiscal cobrada hoje do governo. O gasto público, corretamente direcionado para investimentos e para áreas sociais, constitui um propulsor da economia.
Numa verdadeira "revolta das cartolinas", milhares de cartazes apresentaram as reivindicações dos manifestantes, algumas objetivas, outras genéricas, muitas com pitadas de humor. Não se viu em nenhuma delas, porém, protestos contra o desemprego.
Essa ausência é uma bênção --adicionar desemprego no atual contexto de insatisfação popular seria criar uma mistura altamente inflamável. O baixo crescimento ainda não se refletiu no mercado de trabalho, embora a criação mensal de vagas tenha caído para 72 mil em maio, o menor nível dos últimos 21 anos nesse mês.
Nas últimas décadas do século 20, o brasileiro sofria de um enorme complexo de inferioridade. Tirando as conquistas do futebol, tudo o que era nacional tendia a ser desqualificado e até tratado com desprezo. A autoestima do brasileiro era próxima de zero e havia uma tendência de o brasileiro considerar fora de moda os valores do patriotismo e do nacionalismo.
Isso mudou nas últimas duas décadas, com a inclusão do país entre os grandes emergentes e a onda de elogios ao modelo brasileiro que veio de fora para dentro.
Internamente, uma grande massa teve aumento de renda, aprendeu a gostar do país em que vive e se acostumou a ter orgulho de ser brasileiro --milhares de trabalhadores foram repatriados. Agora, essa massa quer mais. Quer infraestrutura, saúde, educação, transporte eficiente, combate à corrupção.
O fato novo é que os manifestantes reivindicam isso tudo com a bandeira nas costas e com listras verde e amarelas no rosto. Não há mais, felizmente, vergonha de ser brasileiro. Cuidemos para que ela não volte.
Antes de concluir, permitam-me passar um tom otimista e bem-humorado sobre a conquista brasileira na Copa das Confederações.
Concordo com as críticas aos gastos exagerados com as duas Copas. Mas, anos atrás, um amigo observou que o sucesso internacional do futebol brasileiro costuma coincidir com momentos de grande afirmação da economia nacional.
Em 1958, quando ganhamos a Copa da Suécia, o país iniciava a era desenvolvimentista de Juscelino, com grande avanço industrial.
Em 1970, vitória no México, o país vivia forte expansão, os anos do "milagre econômico", apesar do regime autoritário. Em 1994, junto com o tetra, começava o ciclo de estabilidade conquistado pelo Plano Real. Em 2002, quando ganhamos o título na Ásia, estava sendo iniciado um período de forte crescimento e distribuição de renda. Só 1962, no Chile, configura uma exceção à regra.
Depois da conquista de domingo, portanto, vencer a Copa do Mundo de 2014 pode ser um bom sinal.
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