GAZETA DO POVO - PR - 02/07
Ao ouvir apenas entidades alinhadas com o petismo, Dilma não tem como saber quais são as reais aspirações dos brasileiros que vão às ruas
Demorou, mas a presidente Dilma Rousseff começou a mostrar interesse em tentar compreender o que está acontecendo no Brasil, tomado por manifestações de rua, e oferecer algumas respostas à população brasileira. À medida que os protestos passaram a resvalar em sua popularidade, a presidente passou a convocar reunião atrás de reunião, a última delas ocorrida ontem, com quase todos os seus inacreditáveis 39 ministros. A presidente já flertou com a convocação (inconstitucional) de uma assembleia constituinte específica para a reforma política, ideia aparentemente descartada; agora, quer que a população decida, por plebiscito, quais os temas que o Congresso deve abordar para a mesma reforma.
Na sexta-feira passada, Dilma teve o que houve de mais parecido com um encontro com representantes da sociedade civil. Mas basta observar o elenco das entidades convocadas para observar algo curioso: estiveram em Brasília o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, (Ubes), o Movimento dos Sem-Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Marcha Mundial das Mulheres, a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), o Levante Popular da Juventude, a Rede Fale, o Hip Hop, o Fórum de Juventude de Belo Horizonte, a União da Juventude Socialista (UJS), a Juventude do PT (JPT), a Juventude Socialista Brasileira (JSB), a Juventude Socialista do PDT (JSPDT), a Juventude do PMDB (JPMDB), a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Pastoral da Juventude (PJ), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Marcha das Vadias, o Fora do Eixo e a Agência Solano Trindade. No começo da semana passada, Dilma já havia recebido representantes do Movimento Passe Livre (MPL). O que todas essas entidades têm em comum é o alinhamento praticamente incondicional (críticas, quando há, são pontuais) com as plataformas do petismo.
Encontrar apenas a juventude chapa-branca pouco serve para que a presidente possa entender o que está indignando o país. No máximo, o encontro serve para reforçar algumas reivindicações que destoam do sentimento geral da sociedade brasileira – representantes da Marcha das Vadias, por exemplo, pediram mais uma vez a legalização do aborto, rejeitada por ampla maioria dos brasileiros. Partidos de oposição, como o Democratas e o PSDB, também têm suas alas jovens, que, coincidência ou não, estavam ausentes do encontro. Esses jovens também não teriam algo a dizer? Aliás, não são apenas os setores “J” dos partidos de oposição que estão sendo ignorados por Dilma. A presidente havia falado em receber essas legendas, mas até agora só houve um convite a outro partido de esquerda, o PSol.
Se Dilma quer realmente adquirir uma compreensão verdadeira dos problemas do país, precisa ouvir aqueles que não prestam a vassalagem que o petismo costuma exigir. E não se trata apenas dos partidos de oposição, mas da sociedade como um todo: confederações e federações nacionais da indústria, do comércio, dos serviços, da agricultura e pecuária, dos transportes; entidades de classe das mais diversas categorias profissionais; associações de consumidores, de aposentados; universidades; confissões religiosas de âmbito nacional, entre tantas outras entidades. Nesse momento, são justamente os grupos mais críticos ao governo Dilma que deveriam estar na agenda do Planalto – e desses grupos se espera, claro, a disposição de expor claramente quais são suas demandas.
Até o momento, as respostas que Dilma ofereceu ao Brasil foram vagas, como o pacto com governadores e prefeitos para que todos façam exatamente aquilo para o qual foram todos eleitos – o que houve de mais específico foi a tentativa de reciclar a polêmica e criticada proposta de vinda de médicos estrangeiros. Ainda que os ânimos nas ruas esfriem, o Brasil segue esperando que seu governo demonstre sensibilidade em relação às demandas dos cidadãos, mas após um verdadeiro esforço de diálogo. Até o momento, apenas as entidades alinhadas ao PT foram ouvidas. A essa altura, tentar impor plataformas petistas alegando que “a sociedade foi ouvida” seria uma grande desonestidade.
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