Valor Econômico - 03/07
A nova liderança chinesa tenta realizar uma das mais difíceis manobras econômicas: desacelerar uma economia em pleno voo. Recentemente as dificuldades ficaram mais evidentes, com a tentativa das autoridades de assumir controle sobre o "sistema bancário paralelo". Mas isso é parte de um panorama maior: o risco de que uma economia em desaceleração possa até vir abaixo. Na verdade, o desejo manifesto do novo governo da China de usar mecanismos de mercado eleva os riscos.
Em nota recente, David Levy, da consultoria econômica Jerome Levy Forecasting Center, formulou a pergunta decisiva: qual é a velocidade mínima que a China pode alcançar sem perder a sustentação? A opinião geral é de que é fácil para a China ir de um crescimento de 10% para, digamos, 6% ao longo dos próximos dez anos. A premissa implícita é a de que "uma economia em rápida expansão é como um trem em alta velocidade: é só soltar a válvula reguladora que ele desacelera. Continua a trafegar sobre os trilhos como antes, só que não tão rapidamente". Ele argumenta, no entanto, que a China se assemelha mais a um jato Jumbo: "Nos últimos anos, algumas turbinas não funcionaram bem e o piloto agora é contra continuar a forçar as outras turbinas que estão em bom estado. Ele está permitindo que o avião desacelere, mas, se desacelerar demais, ficará abaixo da velocidade de perda e despencará do céu".
Assim, depois de 2008, as exportações líquidas deixaram de ser a força propulsora da economia. Os investimentos assumiram essa função, principalmente em 2009. Isso levou a mais um salto na participação dos gastos com investimento no Produto Interno Bruto (PIB), a partir de uma marca já extraordinariamente alta de 42%, obtida em 2007, para a absolutamente assombrosa de 48% em 2010. O combustível que alimentou essa turbina de investimentos foi um explosivo crescimento do crédito: os empréstimos subiram à taxa anual próxima a 30% ao longo de 2009. Essa política foi altamente bem-sucedida. Mas com o surto de crescimento das exportações líquidas passando a ser coisa do passado, as autoridades chinesas também querem agora reduzir sua dependência do investimento movido a crédito. A turbina que resta à economia chinesa hoje é o consumo, público e privado.
O novo governo chinês está, na prática, empenhado na tarefa de reprojetar o jato Jumbo, em operação de pouso, com metade das turbinas em funcionamento precário. É pouco provável que o mercado responda a uma mudança dessas proporções sem problemas.
Agora, os investimentos em estoques precisam cair significativamente, uma vez que seu nível depende do crescimento da economia, e não do nível de atividade. Senão, vejamos: numa economia em estagnação, o acúmulo de estoques seria normalmente equivalente a zero. Mais uma vez, mantidas estáveis as demais condições, uma economia que cresce a 6% precisaria de investimentos em estoques equivalentes a 60% dos injetados numa economia que cresce a 10%. O impacto imediato desse ajuste seria uma queda acentuada dos investimentos em estoques, antes de seu crescimento retomar o ritmo de 6% ao ano, a partir do nível agora mais baixo. Além disso, as empresas poderão não prever a desaceleração da economia, principalmente após anos de um crescimento da economia muito maior. Elas se veriam sobrecarregadas de estoques em crescimento acelerado e seriam, então, obrigadas a diminuir ainda mais os estoques e os níveis de produção.
Depois, os investimentos em capital fixo também precisam cair significativamente. A queda dos investimentos poderá ter que ser da ordem de 40%. Mantidas todas as outras condições, na China isso implicaria uma queda de 20% do PIB, o que, evidentemente, imporia uma profunda (e imprevista) recessão. Os responsáveis pelos investimentos podem não conseguir se ajustar rapidamente, por prever a volta da taxa de crescimento anual de 10%.
Além disso, uma redução, induzida pelos investimentos, da demanda e do nível de atividade também tende a ter um grande impacto de redução dos lucros. Isso comprometeria a solvência corporativa e baixaria ainda mais os investimentos. Finalmente, a queda da taxa de crescimento da economia, especialmente a precedida por um surto de crescimento muito grande do crédito, poderá ter efeitos sombrios sobre a situação das demonstrações de resultados. O setor privado chinês já está relativamente bastante endividado. Esse endividamento seria administrável se a economia continuasse a crescer a 10% ao ano.
As últimas Perspectivas Econômicas Mundiais do Banco Mundial argumentam que "as medidas de reequilíbrio em curso continuam sendo uma prioridade, assim como a articulação de uma queda gradual de sua taxa de investimento insustentavelmente alta". Mas, "se os investimentos se mostrarem não lucrativos, a amortização dos empréstimos pendentes pode se tornar problemática - desencadeando uma aguda alta dos empréstimos não quitados". Mesmo se o governo socorrer o setor financeiro, os responsáveis pela concessão de empréstimos ficarão mais cautelosos. O crescimento do financiamento não oficialmente declarado, ao qual as autoridades reagiram recentemente, certamente tornará esse fator mais difícil de administrar.
As últimas Perspectivas Econômicas Mundiais do Banco Mundial argumentam que "as medidas de reequilíbrio em curso continuam sendo uma prioridade, assim como a articulação de uma queda gradual de sua taxa de investimento insustentavelmente alta". Mas, "se os investimentos se mostrarem não lucrativos, a amortização dos empréstimos pendentes pode se tornar problemática - desencadeando uma aguda alta dos empréstimos não quitados". Mesmo se o governo socorrer o setor financeiro, os responsáveis pela concessão de empréstimos ficarão mais cautelosos. O crescimento do financiamento não oficialmente declarado, ao qual as autoridades reagiram recentemente, certamente tornará esse fator mais difícil de administrar.
Não se pretende argumentar com isso que a China não conseguirá dar prosseguimento ao seu crescimento de equiparação, no médio ao mais longo prazo. A questão é que a estrutura de uma economia com crescimento de 6% será inevitavelmente, bem diferente da estrutura de uma economia com crescimento de 10%. Não se pode pensar de um ajuste desse gênero como proporcional. Ao contrário, a economia decorrente dessa mudança poderá ter um consumo de, digamos, 65% do PIB e um investimento de apenas 35%. Assim, o consumo teria de crescer de uma maneira muito mais rápida que o PIB, enquanto o investimento cresceria muito mais devagar. Isso significaria uma distribuição de renda diferente: participações significativamente maiores da renda disponível do consumidor no PIB e participações menores dos lucros. Esse modelo requereria uma estrutura de produção diferente, com um crescimento relativamente acelerado dos serviços e uma expansão relativamente lenta da produção industrial.
O novo governo chinês está, na prática, empenhado na tarefa de reprojetar o jato Jumbo, em operação de pouso, com metade das turbinas em funcionamento precário. É pouco provável que o mercado responda a uma mudança dessas proporções sem problemas. O único motivo que encontro para confiar que o pouso decorrerá dentro do esperado é o fato de as autoridades terem desempenhado tantas tarefas árduas no passado. Para sustentar a demanda, o governo poderá se ver obrigado a fazer algumas coisas -incorrer em déficits públicos muito grandes, por exemplo - que seus novos dirigentes atualmente nem querem nem preveem. Pelo menos saber de antemão já é meio caminho andado. (Tradução de Rachel Warszawski)
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