O Estado de S. Paulo - 03/07/2013
Em viagem recente ao Japão, tive a oportunidade de discutir com amigos japoneses, lideranças empresariais e autoridades locais a fantástica guinada de política econômica que está sendo chamada de Abenomics e cujos efeitos preliminares para a economia japonesa estão sendo bastante favoráveis, apesar de ainda ser prematuro para fazermos uma avaliação mais conclusiva.
Num misto de política monetária e cambial, o Japão realizou uma expansão monetária via recompra de títulos públicos no mercado de capitais e, em apenas seis meses, o yen se desvalorizou de 8o ¥ por dólar para 1oo ¥ por dólar - portanto, equivalente a uma máxi de aproximadamente 30%. Essa desvalorização está contribuindo para reverter um cenário de estagnação e deflação: o crescimento previsto para a economia japonesa e a inflação são, respectivamente, de 3,5% e de 2% para 2013. Além disso, a exportação de manufaturados voltou a crescer após um longo período de estagnação e, assim, os japoneses voltaram a ser competitivos diante de seus rivais coreanos e chineses no mercado internacional O consumo doméstico dá sinais de ressurgimento e as empresas voltam a apresentar resultados crescentes de vendas e lucros e, possivelmente, maiores investimentos surgirão nessa esteira.
O Abenomics também rebate no Brasil, pois tem efeitos diretos sobre a liquidez do sistema financeiro internacional. A expansão monetária e as taxas de juros baixas dão origem ao yen cany trade, operação cujos agentes se alavancavam no sistema de crédito japonês a juros baixos e aplicavam em moedas associadas a juros maiores. A continuidade dessa política aponta para um cenário de excessiva liquidez internacional, que tende a valorizar ativos como a moeda brasileira e gerar volatilidade nos momentos de incerteza. Soma-se a isso o quantítative casing americano, cuja escala é ainda maior, e a preocupação ainda aumenta.
Diante desse cenário, parece-me precipitada a mudança na política cambial brasileira, retirando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as posições vendidas em dólar futuro no mercado de derivativos. Esse instrumento fazia parte de uma estrutura regulatória montada sobre o mercado de câmbio para reduzir a influência especulativa do mercado de derivativos sobre a formação da f taxa de câmbio brasileira. Enquanto essa regulação cumpria com eficácia seu papel, as intervenções (no mercado à vista e os swaps) faziam a calibragem do excesso/escassez de dólar nos mercados futuros e à vista.
Isso não implica dizer que essa regulação deve ser perene. Ela pode e deve ser amenizada quando e se houver uma perspectiva de baixa liquidez cambial no médio ou no longo prazos. Porém, os indícios de um novo padrão de liquidez internacional ainda não estão bem claros. A rápida e intensa desvalorização recente do real foi conjuntural e motivada por uma excessiva especulação em torno das declarações do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke. Mas suponhamos que houvesse clareza quanto a uma mudança prolongada do cenário internacional e que a perspectiva de financiamento do balanço de pagamentos de fato viesse a se deteriorar. Mesmo nesse caso, o governo agiu de forma; precipitada ao tomar as medidas no calor dos acontecimentos, quando o mercado anunciava um súbito viés de desvalorização cambial A retirada do IOF sobre as operações de derivativos de câmbio na prática torna a política cambial menos eficaz. Esse recuo, combinado com as perspectivas de aumento da taxa de juros, tenderá a atrair maior fluxo de capitais de curto prazo e poderá dar fôlego a um novo ciclo de apreciação, quando o cenário externo se acalmar. Quando isso acontecer, o Banco Central poderá ter dificuldades em conter a valorização cambial, que, como sabemos, costuma ter origem no mercado de derivativos brasileiro, que é extremamente líquido e alavancado e, agora, isento de imposto. Quando alguém se cura de uma doença, não precisa por causa disso jogar o remédio fora, mas deve, sim, guardá-lo na gaveta, pois poderá um dia precisar usá- lo de novo.
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