O GLOBO - 07/07
Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, participou de todos os movimentos cívicos da nação, mas nega que tenha estado presente na Proclamação da República. Ela marchou com a família contra a ameaça anarco-sindicalista em 64 e deu ouro para o bem do Brasil, depois se desiludiu com o regime militar, pediu seus anéis de volta, mas teve que se contentar com um vale. No grande comício pelas diretas já, Dorinha estava no palanque, mais especificamente embaixo do palanque dando uma aula de democracia participativa a um jovem ativista. Ela apoiou a eleição do Collor, mas foi dela a iniciativa das caras-pintadas contra o Collor, embora sua ideia original fosse pintar todo o corpo nu, não só a cara. Não surpreende, portanto, que ela e seu grupo de pressão, as Socialaites Socialistas, que querem implantar no Brasil o socialismo no seu estágio mais avançado, que é o seu fim, tenham aderido às manifestações de rua dos últimos dias. O único problema é que... Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta veio escrita com tinta lilás em papel turquesa, cheirando a “Mange moi”, um perfume proibido em vários países.
“Caríssimo! Beijos disseminados, você escolhe onde. As Socialaites Socialistas estão mobilizadas! Vamos para a rua, participar dos protestos contra o preço dos ônibus, a corrupção, os políticos, os gastos com a Copa e o resto depois a gente vê, como todo mundo. Antes de descer para a rua, no entanto, fizemos uma reunião preparatória do grupo no meu apartamento para responder a algumas dúvidas (a Suzana “Su” Ruru, por exemplo, queria saber o que é ônibus). E logo descobrimos que algumas de nós teriam problemas de consciência. Era o meu caso. Meu atual marido, cujo nome me escapa no momento, é um corrupto conhecido. Eu iria desfilar contra o meu próprio marido? Contra a minha própria mesada, minha própria qualidade de vida? Contra o meu dinheiro para lifting, botox e compras em New York? Problema mais grave seria o da Tatiana “Tati” Bitati, cujo marido acumula: é corrupto E político. Ela não desfilaria com naturalidade. Finalmente resolvemos: vamos todas desfilar com máscaras — e com a consciência tranquila. De qualquer maneira, não poderíamos perder esse programa!
Da sua agitadíssima Dorinha.”
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