O GLOBO - 06/06
O episódio do uso indevido de aviões da FAB pelas autoridades máximas do Congresso — para assistir à final da Copa e a um casamento — contribui para reforçar o sentimento generalizado de que “não adianta, os políticos não tomam jeito”. Pois, quando se acreditava ser difícil suplantar o deslize ético do deputado Henrique Eduardo Alves, eis que surge o senador Renan Calheiros para mostrar ser pior. O primeiro lançou mão da hipocrisia para se explicar; o segundo, do cinismo. O presidente da Câmara alegou que tinha um compromisso com o prefeito Eduardo Paes, com quem almoçou. Depois, como havia o jogo Brasil x Espanha, ele aproveitou a coincidência para ir ao Maracanã com os companheiros de viagem: seu filho, sua noiva, dois filhos, o irmão publicitário e a cunhada dela e mais um publicitário (seu primo, o ministro da Previdência Garibaldi Alves, também veio para o mesmo jogo, mas em outro voo da FAB). Como era difícil justificar tantos caronas, ele acabou admitindo o “equívoco”, pediu desculpas e dispôs-se a pagar o equivalente às passagens de um voo comercial. Depositou R$ 9,6 mil na conta do Tesouro Nacional. É claro que tomou a decisão depois que a “Folha de S.Paulo” revelou tudo.
Mas pelo menos não fez como o presidente do Senado, que, denunciado por ter requisitado um jato para comparecer com a mulher ao casamento da filha de um colega de partido, reagiu com arrogância. Declarou que sempre utilizou esse expediente, porque se trata de um “avião de representação”, a que se julga com direito por ser “chefe de poder”, a exemplo da presidente da República, “que pega avião sem ser a serviço”. Quando lhe perguntaram se ia devolver o dinheiro das passagens, a sua e a de sua mulher, respondeu: “Claro que não.” O senador se diz amparado por lei. De fato, um decreto presidencial de 2002 prevê que autoridades como ele possam viajar em aviões da FAB, mas em apenas determinadas circunstâncias, e o caso de Renan não se enquadra em nenhum dos itens previstos. Ele não tinha “motivo de segurança e emergência médica”, não foi “a serviço” e nem se deslocou para “o local de residência permanente” (o casamento realizou-se em Trancoso, na Bahia, e o senador reside em Alagoas). Sempre falando como “chefe de poder”, ele alega: “Fui cumprir um compromisso como presidente do Senado.” Segundo essa visão, uma das atribuições do cargo é abrilhantar festa de casamento de filhas de correligionários — voando de graça nas asas da FAB. A presidência da Casa já teve funções mais nobres.
PS. Ontem à tarde, o senador voltou atrás e, “sensível aos novos tempos”, resolveu devolver R$ 32 mil aos cofres públicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário