O ESTADO DE S. PAULO - 06/07
Hoje, diferentemente do que sucedeu há 30 anos, na luta contra a ditadura, as razões de ir à rua protestar são as mais desconexas: preço da passagem, contra a Copa, contra a corrupção,pela saúde,em favor da educação ou pela reforma política.
Na verdade, houve longa hibernação da população brasileira, na qual a indiferença prevaleceu, mesmo diante das denúncias do mensalão, em 2005.
Lula, o Macunaíma, tergiversador,que oras e disse traído pelos mensaleiros, ora passou a mão na cabeça dos aloprados, é o responsável pelo clima deliquescente em que está imerso o Brasil.Fortalece-se,agora,a reação à esperteza como um valor: pede-se moralidade e as pesquisas eleitorais mostram dobrar o número de indecisos, começar a queda de Lula e surgir a figura de Joaquim Barbosa, homem probo, franco, alheio a malabarismos malandros.
Deve-se ao julgamento do mensalão e ao ressurgimento da inflação a disseminação da revolta diante da situação moral e econômica do País.Atos de protesto reúnem diversos descontentes, sem propósitos idênticos, próximos apenas no inconformismo. Há um estado de anomia,de negação de legitimidade dos Poderes instituí- dos que leva a atender à chamada ao protesto como forma de expressar a descrença nos canais formais de representação da vontade popular: partidos, Congresso e governo.
A anomia decorre da frustração em vista da impossibilidade de satisfação das expectativas criadas de realização pessoal.
Prometeu-se o acesso ao consumo, pela concessão de crédito e graças ao aumento salarial, alimentando desejos já exasperados pela propaganda, mas a inflação e o endividamento desfazem a promessa. Prometeu-se democracia como probidade e surge o mensalão.Prometeram se condições dignas de vida com eficiente atendimento no transporte, na saúde, na educação, mas a realidade revela só o descaso dos donos do poder.
Dá-se, então, o divórcio entre as aspirações prevalecentes no meio social e os caminhos "socialmente estruturados para se atingir estas aspirações", como diz Merton. O refrão "o povo unido não precisa de partido" e o repúdio às bandeiras dos partidos mostram uma sociedade que corre paralela às instituições e as desconsidera.Os caminhantes de hoje têm em comum o forte sentimento disseminado de inconformidade, mas sem foco determinado: há em atividade uma metralhadora giratória num vazio político.
Dilma tentou fazer-se intérprete dos anseios detectados por seus marqueteiros, buscando tomar a frente da ida às ruas, mas seu estudado discursos o ou perdidamente oportunista. Na fala do trono, em autoritária e constrangedor a reunião com governadores e prefeitos, impingiu decisões disparatadas como a arriscadíssima e inconstitucional convocação de Constituinte via plebiscito,da qual teve de desistir no dia seguinte.Propôs plebiscito para reforma política, mas voltou atrás na quinta-feira de manhã; à tarde retornou a insistir no plebiscito ainda este ano. É uma pantomima.
Quanto ao plebiscito,há questão prévia relevante. Se posta em causa matéria de natureza constitucional,a convocação deve se dar por decreto aprovado por maioria de três quintos de ambas as Casas do Congresso, pois apenas com maioria simples será uma fraude: mudar a forma de mudar a Constituição.
Com o plebiscito para a reforma política pretende-se jogar areia nos olhos do povo,criando falsamente a impressão de participação popular por meio tecnicamente inviável,pois esse tipo de consulta somente permite alternativa excludente, impossível para múltipla escolha.
Quanto ao sistema eleitoral, consta da Constituição que a eleição para a Câmara será proporcional, e vários dos sistemas enunciados pela "presidenta" o são: o atual, o proporcional em dois turnos e o distrital misto.
Excluem-se o distritão e o distrital puro,em que vencem os mais votados, independentemente da soma dos votos do partido.
Assim,a"presidenta"sugeriu pergunta sobre sistema eleitoral: 1) proporcional; 2) distrital misto;3)distrital puro;4)distritão;5)proporcional em dois turnos. Para facilitar, imaginemos apenas três alternativas: se 35% são a favor do distrital puro, 34% do distrital misto e 31% do proporcional atual,a opção vencedora pelo distrital puro será contrária à vontade de 65% dos votantes e se afastaria o sistema proporcional,que é de preferência da maioria. A proposta, portanto,não é factível.Com equilíbrio vê-se ser impossível elucidar o eleitor sobre a mecânica dos sistemas eleitorais, e suas consequências,para se ter escolha esclarecida.
Inexplicáveis as idas e vindas da Presidência, a mostrar ser o plebiscito mera manobra para forjar a sensação de ser ouvido quem se pensa deseje ser ouvido.Segue a"presidenta"uma biruta ao sabor do vento, sem se aperceber de que se clama por reforma na forma de fazer política,contra o modo de governar e de representar o povo.
A agenda imediata poderia ser: diminuição do número de ministérios, redução drástica dos cargos em comissão na administração direta e nas empresas estatais, nomeação de técnicos para diretores dessas empresas, desaparelhamento do Estado, registro dos cabos eleitorais remunerados,dotação de meios para a Justiça e o Ministério Público Eleitoral fiscalizarem e reprimirem o uso de caixa 2 nas campanhas, proibição de fornecedoras e prestadoras de serviço ao governo contribuírem para campanhas eleitorais,assegurar verbas fixas para emendas parlamentares sem troca de voto por liberação de meios. Quebram-se fontes da corrupção e pode vir a seriedade.
A sociedade civil (OAB, entidades de advogados, CNBB, lideranças patronais e sindicais, movimentos sociais como o contra corrupção)poderia unir se à classe política, mesmo desprestigiada, para forçar e gerar até meados do ano próximo ampla reforma política com referendo nas eleições de 2014.
Chega de labilidade!
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