O GLOBO - 06/07
Os recentes protestos de rua constituem, sem dúvida, uma resposta indignada da população à maneira como são tratadas as questões sociais, econômicas e culturais pela classe política e por certos segmentos da sociedade. Esses acontecimentos revelaram a importância dos espaços públicos para o pleno exercício da democracia.
Diante desses fatos indaga-se o que seria das nossas cidades se a população vivesse trancafiada em condomínios residenciais fechados, trabalhasse apenas em edifícios corporativos e praticasse suas atividades de compras e lazer exclusivamente em shopping centers. Não há dúvida de que o convívio social espontâneo e a tão decantada cordialidade do povo brasileiro tenderiam, inevitavelmente, ao desaparecimento.
No Rio, essa modalidade de organização espacial encontrou na Barra da Tijuca, no Recreio dos Bandeirantes e em parte de Jacarepaguá o território adequado para as mais variadas experimentações mercadológicas. Trata-se de modelos comercializados através de sofisticadas campanhas publicitárias que enaltecem a importância de usufruir de espaços seguros e repletos de atrativos. No entanto, para adquirir esse produto diferenciado é necessário, também, pagar um preço diferenciado.
Mas, no Brasil de hoje, tudo é possível graças ao crédito fácil, às prestações a perder de vista e, até mesmo, à inadimplência usada como moeda de troca nas negociações comerciais. Essa prática generalizada tende a gerar um círculo vicioso que coloca em risco o equilíbrio do próprio mercado imobiliário e das instituições que financiam os seus empreendimentos. Cabe ressaltar que, nos dias de hoje, mais da metade de todos os imóveis disponíveis para comercialização na cidade do Rio de Janeiro se encontra nessa região e segue fielmente essa tendência de organização espacial. Como agravante, verifica-se que essa oferta de imóveis tende a superar, em médio prazo, a demanda criada pela valorização imobiliária e pelos investimentos relacionados com as Olimpíadas.
Outra preocupação semelhante diz respeito ao projeto de requalificação urbana da região portuária. Ao confiar o planejamento e a gestão dessa gigantesca área a um consórcio de empreiteiras, a prefeitura abriu mão da sua responsabilidade de elaborar um projeto urbanístico consistente e de qualidade. O pressuposto de que a ocupação do local se daria pela absorção de uma suposta demanda reprimida de edifícios corporativos no Centro da cidade não tem correspondido à realidade dos fatos. O que se vê são megalançamentos imobiliários desconectados entre si e com muito pouca influência para estimular o desenvolvimento local e propiciar a criação de um ambiente urbano integrado nessa região. Como se isso não bastasse, recorreu-se, mais uma vez, ao financiamento público para viabilizar projetos mal planejados. Diante da inexistência de empresários interessados em adquirir os tais Certificados de Potencial Adicional Construído (Cepac), oferecidos em leilão público, coube à Caixa Econômica Federal a “tarefa” de adquiri-los integralmente para gerar recursos e repassá-los ao consórcio de empreiteiras para realizar as obras necessárias de infraestrutura. E assim caminha o admirável mundo novo dos negócios insustentáveis.
À luz dos protestos recentes não há como aceitar essa lógica de projetos urbanos desprovidos de fundamentação técnica e conceitual. Muito menos admitir que a iniciativa privada assuma a responsabilidade pelo planejamento urbano e gestão de importantes áreas públicas da cidade. É necessário controlar o ímpeto das decisões tomadas no afã de um pragmatismo ideológico que trata a cidade como se fosse mercadoria. É preciso concentrar esforços para exigir, em caráter de urgência, a criação de um sistema integrado de planejamento urbano que seja capaz de assegurar uma melhor qualidade dos projetos e a destinação adequada para os recursos a serem aplicados na cidade. No embalo das atuais passeatas é possível vislumbrar alguma possibilidade de recuperar uma parte do tempo perdido.
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