O Estado de S.Paulo - 27/07
Foi em Tóquio. Apresento uma jovem cientista japonesa a um amigo: "Como vocês irão para o congresso em Kyoto, talvez Omuro possa te mostrar os templos budistas". Os olhos de meu amigo, que encaravam a jovem, se desviaram por uma fração de segundo para as mãos delicadas. Bastou eles voltarem para a face, e ela, que não usava aliança, respondeu: "Pena que meu marido não vai me acompanhar". Por meio de um simples olhar ele havia deixado vazar uma grande quantidade de informação que foi captada e utilizada por Omuro.
Com pequenos atos, deixamos escapar involuntariamente informações que consideramos privadas. Captar essa informação e fazer uso dela é uma arte antiga. A novidade é que hoje deixamos um rastro enorme de informações digitais. Será possível usar essa informação para descobrir pensamentos e características pessoais? Um novo estudo demonstrou que é possível descobrir, com grande probabilidade de acerto, informações privadas simplesmente analisando os "likes" de uma pessoa no Facebook.
A internet está coalhada de pequenas mãos com o polegar para cima. São os "likes" - "curtir" ou "recomendar" - do Facebook. Quando um usuário do Facebook clica nesses ícones, demonstra apreciação ou aprovação. Essa informação é recebida por seus amigos, pelos donos da página e pelo próprio Facebook. Sua escolha se torna pública. Se você "curte" um carro, todos sabem que você gostou daquele veículo.
O que mais é possível deduzir com base nas "curtidas" de uma pessoa? É possível saber sua preferencia sexual, se seus pais se separaram, seu QI?
Cientistas convenceram 58.466 voluntários que utilizam o Facebook nos EUA a responder centenas de perguntas pessoais sobre assuntos particulares, como consumo de drogas e álcool, religião, política, preferencias sexuais, fidelidade conjugal e vida familiar. Além disso, o QI desses voluntários foi medido e suas características psicológicas foram determinadas. Também foram coletados todos os "likes" difundidos por cada um desses indivíduos.
Depois, os cientistas correlacionaram o conteúdo dos "likes" às características individuais, construindo enormes tabelas que relacionavam as características pessoais com os termos associados aos "likes". Descobriram que a palavra "dança" é mais escolhida por pessoas extrovertidas e "videogames", por introvertidos. Que "Harley-Davidson" está levemente associada a um QI baixo e "tempestades", a pessoas com QI mais alto. Foram feitas associações desse tipo com milhares de palavras para cada uma de dezenas de características. Muitas delas parecem óbvias, mas outras, como batata frita estar associada a pessoas de QI mais alto, Hillary com pessoas que têm muitos amigos e Yahoo com mulheres heterossexuais não são tão óbvias.
Feitas as associações entre palavras ou frases e características pessoais declaradas, os cientistas construíram um modelo matemático que usa os "likes" públicos para descobrir informações privadas. Cada uma das associações por si só não tem um alto poder preditivo (eu uso o Yahoo e não sou uma mulher heterossexual), mas, quando analisadas em conjunto, são capaz de fazer previsões precisas sobre comportamentos e características individuais.
Os resultados mostram que é possível, usando só os "likes" de um usuário do Facebook, saber seu sexo, idade, preferencia sexual, se é emocionalmente estável, seu QI, se fuma, bebe ou se droga, se é democrata ou republicano, se seus pais se separaram antes dele ter 21 anos, se é fiel, e dezenas de outros atributos pessoais. A previsão é mais confiável quanto mais a pessoa dá "likes". É claro também que o grau de confiança nessas previsões com o tema avaliado. Além disso, a previsão só é possível para os usuários americanos do Facebook, pois as associações dependem da cultura de cada país.
Os pesquisadores publicaram os resultados e criaram o site www.youarewhatyoulike.org, em que você pode logar com sua identidade no Facebook. Usando os dados de seus "likes", o site prediz suas características. Todos que usaram dizem que o resultado é impressionante.
Esses resultados demonstram o que muita gente suspeitava. A cada clique, deixamos vazar um pouco de nossa intimidade. Como fazemos isso dezenas de vezes por dia, ao longo de muitos anos, basta estatísticos competentes e um computador para juntar todas essas microdicas e, com elas, descobrir informações que guardamos a sete chaves tentando preservar nossa intimidade.
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