FOLHA DE SP - 25/06
Presidente adota ideia tanto esperta como arriscada de sugerir mudança constitucional do país
DILMA ROUSSEFF apareceu ontem com algumas desconversas e uma ideia de risco, mas a princípio esperta, para baixar o fogo da chapa que pode fritar o resto do seu governo.
A principal sugestão da presidente parece ser um plebiscito que decidiria a convocação de uma Assembleia Constituinte com a tarefa específica de votar uma reforma política. "Parece ser", pois a ideia toda é constitucionalmente confusa.
A presidente talvez estivesse propondo uma lei de iniciativa popular, mais modesta, até porque é duvidoso se: 1) Pode ser convocado um plebiscito para revogar a Constituição, total ou parcialmente; 2) Se uma Assembleia Constituinte, caso possível, pode ser limitada por poderes externos a ela.
Pelo menos dois ministros do Supremo ouvidos por esta coluna acham a ideia constitucionalmente inaceitável (um terceiro nem quis discutir o assunto, chamando a coisa toda de "populismo constitucional").
Essa discussão parece tecnicismo. Mas trata-se de um problema de política bem imediata, pois:
1) Essa foi a principal ideia que o governo teve para, por um lado, dar um sentido ao protesto por ora informe. Se a ideia render um conflito intrapolíticos ou um rolo constitucional, não progride;
2) A proposta transfere parte do problema (a fúria das ruas contra "políticos") para o Congresso e até para a oposição. A presidente tenta de certo modo se unir a parte dos manifestantes no grito pela "sanitização" do sistema político (novas estruturas e lei de "crimes hediondos" para a corruptos). Os parlamentares, oposição inclusa, que agora se virem.
A esperteza da ideia está, ressalte-se, no fato de Dilma Rousseff tentar dar sentido ao protesto. Ou tentar organizar e talvez até liderar, em parte, as "manifestações difusas", como diz o novo clichê: toda massa ou reunião enorme de cidadãos é difusa até que se lhe dê um sentido, organização ou decisão por voto.
Os riscos podem ser vários.
O primeiro deles é a reação dos parlamentares, que não vão aceitar sem mais a batata quente que Dilma lhes jogou no colo.
Reformas, em si mesmo ou popularmente satisfatórias, obrigariam o Congresso a fazer o que não fez até agora ou ir na direção contrária de suas atitudes habituais (reforço de corporativismos e poderes de partidos que já fazem parte da ordem).
Os parlamentares podem simplesmente recusar a ideia, matando-a no berço, ou podem tentar vingar-se de Dilma, devolvendo a batata quente.
O segundo risco é de a ideia morrer devido a inviabilidades, constitucionais, por exemplo, ou práticas (sua realização demoraria demais, quando há clamor, razoável ou não, por atitudes imediatas).
Enfim, a ideia de inventar uma Assembleia Constituinte composta de "políticos transitórios" (gente que não se candidataria nos próximos anos) pode tanto morrer na praia (os parlamentares dificultosamente se sujeitariam a uma assembleia "amadora") ou pode acirrar o conflito. Os parlamentares poderiam ficar mais irados, subindo o tom da vingança. Ou o povo das ruas poderia aderir decididamente à ideia, querendo atropelar a "casta política" e talvez até o Supremo, com o que o caldo entornaria para mares raramente navegados.
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