O GLOBO - 25/06
Algumas das bandeiras levantadas pelos manifestantes, que estavam presentes nas redes sociais há tempos, se referem à conveniência (ou não) de realizar copas e olimpíadas quando faltam recursos para a infraestrutura, o transporte, a educação e a saúde.
Há alguns pontos relacionados aos eventos esportivos internacionais que o Brasil sedia e sediará que são perturbadores e podem levantar novas bandeiras e alimentar novas manifestações. É um ninho de vespas esperando ser tocado.
A Fifa é uma organização autocrática? Julgue você: ela foi fundada em 1904 e teve oito presidentes até agora, com uma permanência média de 13,6 anos no poder. É muito. Jules Rimet, cujo nome marca a taça das Copas Mundiais, presidiu a Fifa durante 33 anos. Três morreram na presidência. A presidência da Fifa revela sua origem eurocêntrica. Dos oito presidentes, sete eram ou são europeus. Nosso conhecidíssimo João Havelange, até agora, é a única exceção. Teve o inegável mérito de globalizar o futebol e a Fifa, contra, diga-se de passagem, os protestos de muitos europeus. Porém, ele também teve um extenso reinado, de 24 anos, marcado por acusações de corrupção. O atual presidente, Blatter, assumiu em junho de 1998. Já completou quinze anos na presidência.
Esse caráter autocrático, com concentração de poder e número ilimitado de reeleições, marca muitas associações esportivas, nacionais e internacionais.
Havelange, quando presidiu a CBF, permaneceu 23 anos. Roberto Teixeira, que saiu há pouco, outros 23. E há problemas de nepotismo.
Ricardo Teixeira foi casado com a filha de João Havelange, Lúcia. Outras organizações esportivas, nacionais e internacionais, também se caracterizam por extensas permanências dos que ocupam os cargos mais altos e por empregar parentes e amigos de seus presidentes ou diretores.
Organizações internamente autocráticas convivem mal com países democráticos. Segundo o "The Sun", Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, afirmou que era mais fácil lidar com um líder forte, como Putin, do que com países democráticos, como a Alemanha. Blatter foi mais longe: afirmou que a Copa de 1978, na Argentina, foi uma forma de reconciliar os argentinos com o sistema político. Como sabemos, era uma ditadura militar. No dia 2 de outubro de 1968, ocorreu um massacre em Nonoalco- Tlatelolco, no México. Havia uma manifestação, como as no Brasil, lideradas por jovens. As forças repressivas abriram fogo. As estimativas do número de mortos variam entre 30 e 300. Menos de dois anos depois o México, ainda presidido por Diaz Ordaz, sediou as Olimpíadas e, em 1970, a Copa.
Alguns desses problemas são debatidos no mundo dos esportes. Os presidentes das associações dinamarquesa e alemã, Allan Hansen e Wolfgang Niersbach, criticaram a recusa da Fifa a discutir temas como a idade limite e a duração dos mandatos.
Os presidentes e altos funcionários ficaram e ficam por abnegação? Por altruísmo? É difícil acreditar. Ninguém sabe quanto ganha Blatter. A Fifa não revela. Em maio deste ano, Mark Pieth, um advogado suíço, exigiu que a Fifa revelasse o quanto ganham os membros da sua hierarquia.
Segundo a organização The Richest (http:// www.therichest.org), o patrimônio de Blatter seria de dez milhões de dólares; Blatter teria admitido que seu salário era de £ 598.000 em 2010, cerca de dois milhões de reais ao cambio de hoje.
A Fifa vive de eventos. Uma estimativa nos dá 87% das suas receitas neste quesito. Tem deixado a receita das entradas e ingressos para o país sede.
Ajudou a África do Sul com 500 milhões de dólares, muito pouco, considerando os gastos do país com a construção e a reconstrução de estádios, a custosa melhoria dos transportes para os estádios, aeroportos e áreas de turismo, e segurança. O "New York Times", no dia 20 de junho, foi enfático ao afirmar que "nem a Fifa nem o Comitê Olímpico Internacional financiam os estádios multibilionários, nem pagam pela infraestrutura, o policiamento...
Mas são a Fifa e o COI que [recebem] os bilhões da receita das televisões". Até os direitos televisivos e de marketing são reservados para a Fifa.
Eles são o filão das copas. Quanto rendem? A Fifa fica com eles. Assinou um contrato com a ABC/ ESPN para a transmissão de seus eventos de 2007 a 2014 somente na língua inglesa: 425 milhões. É um monopólio assegurado pela lei (nº 12.663 de 5/ 6/2012, Seção III, Art. 12).
O orçamento da Fifa para 2011-2014 estima uma receita de quase quatro bilhões de dólares. Feliz com esses resultados, Blatter aumentou a contribuição da Fifa para as seis confederações regionais: dois milhões e meio para cada uma. Aumento pequeno. Quinze milhões, no total, ou menos de 0,004% do mencionado orçamento.
Há uma contradição entre o caráter autocrático da Fifa, as frequentes acusações de corrupção a seus próceres, suas altas receitas, os salários não revelados dos seus dirigentes, e os ideais modestos, socialmente igualitários e contra a corrupção dos manifestantes fora dos estádios.
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