CORREIO BRAZILIENSE - 23/06
O desafio de Dilma e do PT agora é sair desse redemoinho em que os problemas econômicos alimentam as manifestações e vice-versa. Há tempos um presidente não se vê em cenário tão desfavorável
Há tempos um presidente da República não se vê em situação tão desfavorável, em que um fator negativo alimenta o outro, embaçando inclusive a paixão do brasileiro pelo futebol. Primeiro, a economia. O governo vem perdendo a batalha da comunicação de que os indicadores vão bem. Até porque, o mesmo ministro Guido Mantega que passou os últimos anos cantando Produtos Internos Brutos mais atraentes, mas não confirmados, é quem dá as boas novas da inflação em queda. Para completar, na sexta-feira, os dados de emprego dão sinais de arrefecimento em relação ao mesmo mês do ano passado.
Esses ingredientes econômicos ajudaram a alimentar a insatisfação dos brasileiros, ao ponto de levar muitos às ruas. Aliás, o estopim, vale lembrar, foi o já resolvido aumento das passagens de ônibus nos grandes centros, como São Paulo. As tarifas voltaram ao patamar anterior, mas a catarse coletiva não cessou. Ao contrário. O que se viu ao longo da última semana foi uma paralisação geral do país ao pôr do sol. O ritual da “hora da manifestação” continua.
Talvez o vandalismo registrado na semana passada por grupos de bandidos organizados para tumultuar e saquear tire parte das pessoas das ruas, mas, por enquanto, não há essa disposição de pôr fim às manifestações. Essas passeatas por serviços de qualidade estão tão na moda entre jovens quanto estava nos anos 1960 lutar contra a ditadura militar. E, com os movimentos de rua, o comércio fecha as portas mais cedo e a imagem do Brasil no exterior fica embaçada. Daí à queda dos tais “investments grades” (graus de investimento) é questão de tempo. E tome-lhe mais vento para reforçar o tornado das ruas.
O desafio de Dilma, que até aqui não tinha enfrentado posições desfavoráveis, e do PT agora é sair desse redemoinho. À primeira vista, a carta de intenções lançada pelo pronunciamento da última sexta-feira foi positivo. Mas executá-lo em meio às barreiras da economia e da própria política é que é o nó. E nada indica, até agora, que Dilma terá a faca e o queijo em mãos para aproximar o discurso da prática.
O caso dos royalties do petróleo para a educação é um exemplo. Mais uma vez, o governo corre o risco de produzir uma expectativa que não terá efeito tão cedo, como ocorre hoje com o tal legado da Copa. Isso porque as propostas em discussão no Congresso sobre esse tema indicam que só serão canalizados para o ensino os royalties futuros. Alguns estudos já feitos mostram que passarão alguns anos até se extrair o óleo e deixar em ponto de pagamento esses royalties.
Enquanto isso, na política…
A tal “oxigenação do sistema político” é outro ponto que se traduz em anos-luz e dificuldades. Há quem diga no parlamento que esse tema só vai para frente o dia em que houver um Congresso constituinte exclusivo para esse fim. Mas, enquanto esse Congresso não vem, a cidadania cantada por Dilma em seu discurso virá pela própria sociedade civil organizada, e não vai demorar. Amanhã, o juiz Marlon Reis, autor do projeto da Lei da Ficha Limpa, estará em Brasília justamente para encaminhar essa proposta por iniciativa popular. “O que vemos hoje nas ruas é o grito dos excluídos, aqueles que não se sentem representados. São várias as petições da sociedade que ficaram sem resposta. Esse somatório produziu o que estamos vendo nas cidades brasileira. A relação do mandato parlamentar hoje é muito mais forte com o capital do que com a sociedade”, afirma ele.
E nos partidos…A tal oxigenação também se mostra presente na base política do governo. No pronunciamento de sexta-feira, por exemplo, muitos se lembraram do governo Sarney, em especial, pelo uso da palavra “pacto” e do bordão “brasileiras e brasileiros” que o ex-presidente sempre usava em suas falas à nação. Foi assim depois do “badernaço” de novembro de 1986, quando o governo colocou o Plano Cruzado a perder por conta do reajuste de tarifas que havia adiado a fim de dar a vitória ao PMDB. Dessa vez, governos estaduais e municipais também evitaram aumento de tarifas de ônibus antes, por causa das eleições municipais e da conversa de Dilma com os empresários, ocorridas em janeiro. Mais uma vez, a história parece se repetir.
Talvez Sarney tenha sido um presidente tão sitiado quanto Dilma está sendo agora, naquele período de fracasso do cruzado. E nem tinha um Lula para ajudar. Lula, aliás, estava do outro lado, gritando “fora, Sarney”. O fim daquele período foi o então presidente, hoje aliado do PT, criticado por todos os lados, sem perspectiva de fazer o sucessor. Se a atual presidente terá o mesmo destino, vai depender da sua capacidade de romper esse ciclo de as manifestações retroalimentarem a crise econômica e vice-versa.
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