O GLOBO - 30/05
A política externa terceiro-mundista, instituída por Lula, chegou a ser interpretada como uma concessão às alas mais à esquerda do PT, a fim de atenuar restrições a uma política econômica sem heterodoxias, imprescindível para debelar a volta da inflação, atiçada pela insegurança criada em 2002 no avanço do candidato petista nas pesquisas eleitorais. Lula venceu as eleições, teve mesmo de adotar um estilo sensato de administração da economia, e deu certo, como previsto.
A diplomacia não alinhada prosseguiu. Junto com a Argentina de Kirchner, e sob aplausos do bolivariano Hugo Chávez, o Brasil rejeitou, sem negociar, a proposta americana da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O “Império” deveria ser mantido à distância, também entendia Brasília sob nova direção.
No comércio, a aposta única brasileira foi na liberalização global acenada pela Rodada de Doha. Deu errado. No plano continental, concessões passaram a ser feitas a regimes companheiros. Evo Morales expropriou refinaria da Petrobras na Bolívia, sem um resmungo brasileiro. E ainda há uma Argentina, crescentemente chavista e protecionista. Parte da indústria brasileira acumula prejuízos numa Argentina que se fecha, contra as normas do Mercosul, e nada acontece.
Em recente viagem à África, a presidente Dilma anunciou a anistia de US$ 900 milhões de dívidas de uma série de pequenos países africanos. Geralmente, empréstimos oficiais para obras de empreiteiras brasileiras. Não é o primeiro perdão brasileiro do tipo.
Esta política pretensamente benemérita pouco tem rendido em dividendos ao país, além de dilapidar dinheiro do contribuinte. A África é estratégica, mas uma coisa é a África do Sul e outra, Guiné Equatorial, uma das ferozes ditaduras do continente. Tudo coerente com o caráter amistoso com que Lula tratou déspotas como o líbio Kadafi.
A soma das exportações para esses “novos mercados” pode produzir percentuais elevados de aumento nos negócios, porém apenas para marquetagens; em valores absolutos, não conseguem ir contra a maré vazante do comércio exterior brasileiro. Os votos desses países podem emplacar o Brasil na direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), pouca coisa mais. E este perdão de dívidas, em especial, é mais do que questionável, porque, além de certamente inflar o patrimônio pessoal de companheiros ditadores na Europa, como anistias anteriores, ocorre quando o déficit externo do país aponta para o alto.
Na América Latina, esta política terceiro-mundista de bom-mocismo produz outros prejuízos elevados. Porém, 12 anos desta diplomacia causam fadiga de material. Visível quando se observa o rearranjo geoeconômico da região, de que a arejada Aliança do Pacífico é símbolo (Peru, Chile, Colômbia e México), aberta a grandes mercados mundiais, ao contrário do Brasil. O temor é que um bonde da História esteja passando, diante de um governo passivo. Ou perplexo.
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